São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 1996
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Programa de freira é mania na Inglaterra

IGOR GIELOW
DE LONDRES

Um dos cinco programas mais assistidos na tradicional rede estatal britânica BBC no mês passado é sobre a história da pintura.
O tema, alvo de dezenas de documentários feitos com sobriedade pela mesma BBC ou outras redes, voltou à moda mais exatamente devido à apresentadora.
Aos 67 anos, Wendy Beckett é uma freira carmelita com um sorriso permanente e bom humor invejável. E não dispensa o hábito, nem nos quentes dias do verão britânico.
"Sister Wendy's Story of Painting" ("A História da Pintura da Irmã Wendy") virou uma espécie de mania nacional.
No Hyde Park, centro de Londres, é possível encontrar camisetas com caricaturas da religiosa (fáceis de fazer: ela é "dentuça", usa óculos e nunca larga o hábito branco e negro) junto a obras de arte famosas.
O segredo? Em conteúdo, não há novidades no programa. Em dez capítulos semanais, discorre sobre grandes mestres e expoentes como didatismo mas sem grandes novidades em termos históricos.
Porém, os comentários peculiares de Sister Wendy garantem a audiência.
Frente a obras de Leonardo da Vinci, na Itália, ela dispara: "Da Vinci não escondia sua preferência por rapazes em suas obras". Impossível, ainda que pelo contraste ou até preconceito, não rir.
Para ela, não é problema. "É mais fácil falar de sexo do que conversar com Deus e sobre Deus. Não tenho problemas em tratar os temas tratados na arte", disse.
Mas o cômico não é a única virtude do programa. Sister Wendy usa um tom professoral que, em princípio, deveria irritar. Porém, aparentemente o efeito é inverso no público.
Freira desde os 16 anos, Wendy virou em 1970 o que a Igreja Católica chama de "virgem consagrada". Ou seja, poderia manter seu laço com a Ordem das Carmelitas sem ficar confinada em um convento e sem ser obrigada a usar o hábito.
Empatia
"Me sinto bem assim. Não tenho nada a esconder", afirmou. Pelo contrário, disse seu produtor David Willcock ao jornal "The Guardian", isso cria maior empatia com os telespectadores.
Empatia numa época de declínio das religiões tradicionais? "Meu trabalho não é de pregação, é apenas o de mostrar as belezas da arte. Afinal, Deus está em todas as belezas", diz a freira, que foi criada na África do Sul.
Desde a década de 70, irmã Wendy estuda arte. Segundo ela, o que era um hobby virou parte de um programa de estudos para crianças em igrejas e, depois, uma série de panfletos explicativos.
No princípio, a arte sacra era privilegiada. Mas, diz Wendy, não é possível dissociar a história da arte em profana e sacra, esquecer os laços entre elas.
O sucesso começou no ano passado, quando ela estrelou uma série sobre arte na BBC2, canal alternativo da rede britânica. Wendy havia sido descoberta dando palestras de arte por seu produtor Willcock.
O sucesso foi tão grande que ela foi convidada a trabalhar em uma nova série, agora para o carro-chefe BBC1, lar de programas e séries tradicionalíssimas.
Com o programa no ar, ela voltou para seu convento carmelita em Quidenham, Norfolk (Reino Unido). "Minha vida é de silêncio", disse.
Silêncio que deve durar até o próximo convite.
Lobby para tanto não falta. Um de seus principais fãs se revelou durante uma visita a Roma, durante a promoção da série atual: o papa João Paulo 2º.

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