São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 1996
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Carpenter desafia "fast food" de imagens

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Agora, quando "Independence Day" quebra recordes e recordes de bilheteria nos EUA, é quase obrigatório lembrar "A Cidade dos Amaldiçoados", de John Carpenter, lançado em vídeo com a mesma discrição com que entrou nos cinemas.
Filmes como este são quase um estraga-prazeres na Hollywood contemporânea. Apontam para a possibilidade de um cinema de gênero fantástico que se empenha em especular sobre o presente e o futuro dos homens, em vez de fazer "fast food" em imagens.
Não é de hoje que Carpenter se empenha em recuperar temas dos 50: "O Enigma do Outro Mundo" ou "Starman", nos anos 80, já iam nessa direção. Depois veio "Eles Vivem", pequena obra-prima. Em todos, há uma disfunção original: não apenas os seres de outro mundo nos invadem, como têm os humanos como cúmplices, quando menos por omissão e cegueira, do que acontece.
Em "A Cidade dos Amaldiçoados" não é diferente. Estranhos acontecimentos abalam uma pequena comunidade. Meses depois, nasce uma leva de crianças. E quanto mais elas crescem, mais se tornam estranhas e destrutivas.
O que faz esse filme ter uma atmosfera tão particular é o fato de todos nas imediações saberem que estão às voltas com um fenômeno desconhecido e, no entanto, o absorverem com naturalidade.
Carpenter trabalha o espaço "off" como um mestre. No filme, não importa exatamente o que está acontecendo diante da câmera, mas a conexão que se cria entre a imagem e o sentimento da platéia.
Somos chamados a pensar, desde o início, por que aquelas pessoas não se dão conta de tudo que está acontecendo. Minutos depois, essa indagação se torna mais incômoda. Passamos a pensar no que nos cerca. Em fenômenos nem tão evidentes quanto essas crianças: imagens de TV, computadores, filmes como "Independence Day".
Ou seja, nessa avalanche de informação (imagens, sobretudo) que entra em nosso mundo de forma avassaladora, demolindo resistências e espírito crítico.
Esse parece ser o segredo: o filme toma um ponto de partida em princípio antiquado (não por acaso, é refilmagem de "A Aldeia dos Amaldiçoados", de 60) e o usa como referência para a interação que estabelece com o espectador.
É verdade que hoje a palavra interação parece só comportar o diálogo entre humanos e videogames. Em todo caso, o filme faz sua parte e luta para restabelecer o antigo conceito.

Vídeo: A Cidade dos Amaldiçoados
Direção: John Carpenter
Lançamento: CIC (tel. 011/816-7391)

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