São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 1996
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Conjuntura econômica

ANTONIO DELFIM NETTO

A Fundação Getúlio Vargas é conhecida por sua independência e pela sobriedade de suas apreciações.
O número de agosto de 1996 da "Conjuntura Econômica" é um marco de análise comedida e segura de algumas de nossas dificuldades. Com moderação e até subliminarmente, chama a atenção para três problemas fundamentais: 1) a redução do lucro líquido das 500 maiores empresas do país no ano passado; 2) as dificuldades produzidas pelo déficit público e o consequente aumento da dívida interna e 3) a limitação ao crescimento criada pela sobrevalorização cambial.
O lucro líquido das 500 maiores empresas reduziu-se de R$ 12,1 bilhões em 1994 (7,95% do patrimônio líquido) para R$ 3,2 bilhões em 1995 (3,51% do patrimônio líquido), como se vê na tabela abaixo:

Desempenho das 500 maiores S.A. 1994 1995 Var.%
Receita operacional (bilhões) 202,0 187,5 -7,19
Lucro líquido (bilhões) 12,1 3,2 -73,23
Grau de endividamento (mediana) 0,54 0,62 14,70
Rentabilidade do PL 7,95 3,51 -55,85

Quando se sabe que a maior parte do financiamento de novos investimentos é feita com "lucro retido", pode-se duvidar que estejamos, de fato, entrando, numa "terceira onda" de desenvolvimento. O que estamos mesmo é surfando na crista dos juros escorchantes!
No que respeita à valorização cambial, a revista faz duas apreciações muito interessantes. O seu editorial "A polêmica do câmbio" explora as múltiplas possibilidades de medida da "defasagem" e conclui que em todas elas há indicações de que o câmbio real não é o de equilíbrio.
Não há, obviamente, nenhuma recomendação de desvalorização, mas a conclusão é firme: "No setor real, a longo prazo, é possível que a economia se ajuste sem desvalorizar, mas a experiência histórica mais comum não tem sido essa". O artigo de Lia Valls Pereira, "Aumenta a defasagem cambial", inserido às págs. 100-102, merece uma cuidadosa leitura.
Mas soberbo mesmo é o artigo "O avestruz e a dívida pública" (págs. 95-97), do redator-chefe da revista, economista Lauro Vieira de Faria, que no número anterior (julho de 96) já havia desmistificado as respostas fáceis e falaciosas das autoridades às observações do professor Rudiger Dornbusch.
O artigo é uma cuidadosa desmontagem dos argumentos do governo. Em primeiro lugar, mostra que 58% do aumento da dívida pública entre janeiro 1995-maio 1996 foi devido ao financiamento do déficit nominal. Em segundo lugar, põe a nu o tal conceito de "dívida líquida", mostrando que apenas 21% do crescimento da dívida emitida naquele período foi devido à acumulação de reservas.
Nos outros 21% "é fácil de inferir que pontificam créditos de liquidação duvidosa, como, por exemplo, os derivados da assistência de liquidez e do programa de reestruturação dos bancos". O ridículo argumento de que o "excesso de reservas" constitui um "seguro" é magistralmente exposto, mostrando que se trata de mera retórica falaciosa!

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