São Paulo, sábado, 31 de agosto de 1996
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Os termos jurídicos

LUIZA NAGIB ELUF

Alguns termos jurídicos são difíceis, outros são pedantes, arcaicos, latinos, mas são sempre muito precisos. Há os que são insubstituíveis, não se podendo dizer a mesma coisa em outras palavras, pelo menos não de forma tão objetiva.
O direito tem, na sua linguagem peculiar, um instrumento que suaviza o impacto de certos fatos, principalmente quando se fala de sexo, morte e traição. Usa-se muito o latim, herdado do direito romano, para evitar embaraços na descrição de situações constrangedoras.
O ato sexual, por exemplo, é denominado "conjunção carnal", o lenocínio é "mediação para satisfazer a lascívia de outrem", também chamado de "proxenetismo". Prostituta é a mulher que se presta ao "desafogo à concupiscência alheia".
No tempo em que as discriminações eram autorizadas em nosso país, havia várias categorias de filhos: os bastardos, os naturais, os espúrios ou de coito danado, os adulterinos, os incestuosos e os sacrílegos, todos pertencentes à categoria geral dos ilegítimos e concorrendo em absoluta desvantagem com os legítimos.
Graças ao avanço da cidadania e ao justo entendimento de que os filhos não devem pagar por eventuais erros dos pais, essas distinções são hoje inconstitucionais. Filhos são filhos, todos iguais, sem adjetivos. Falta apenas consolidar o mesmo critério com relação às mulheres, que ainda são tratadas nas leis com uma série de qualificações discriminatórias e injustas.
Mas voltando aos termos jurídicos, recente julgado do Tribunal da Alçada de São Paulo considerou que "... para a caracterização do crime previsto no art. 240 do Código Penal (adultério), não se exige o rigorismo do 'nudus cum nuda in eodem lecto', bastando que o casal adúltero se encontre 'solus cum sola in solitudine'..."
Isto quer dizer que para se comprovar o adultério não há necessidade de surpreender o casal nu na mesma cama, bastando que ambos estejam a sós em circunstâncias que autorizem supor a prática sexual. Dito em latim, evitam-se os detalhes constrangedores sem deixar de descrever exatamente o fato. No mérito, porém, é triste constatar que o adultério continua sendo crime no Brasil. Uma perda de tempo.
Em processos de inventário, chega a ser engraçado chamar o falecido de "de cujus", mas é melhor do que chamá-lo de "o morto". Bastante adequada, também, é a denominação dada ao contrato sobre herança de pessoa viva: "pacta corvina" (trata-se de um contrato nulo, pois, se válido fosse, colocaria os contratantes em posição de desejar a morte de alguém).
Finalmente, existem os termos jurídicos que são mal compreendidos e usados erroneamente de forma cômica. Conta-se do candidato que, ao fazer exame da Ordem dos Advogados do Brasil para obter a carteira que lhe daria o direito de exercer a advocacia, foi indagado pelo examinador sobre a diferença entre pessoa física (que é todo o ser humano) e pessoa jurídica (que são as instituições, corporações, sociedades etc.). Respondeu o candidato:
"Sei perfeitamente a distinção entre os dois termos. Pessoa física é qualquer um, eu por exemplo. Já pessoa jurídica, sem dúvida, é Vossa Excelência".

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