São Paulo, sábado, 31 de agosto de 1996
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Publicidade enganosa

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Destacaram-se duas séries de notícias e comentários sobre a campanha eleitoral nos últimos dias: a dos desmentidos de afirmações atribuídas aos candidatos e a da necessidade de maior transparência no controle das despesas publicitárias.
A sabedoria antiga dizia: "Tempo de guerra, mentira como terra". A frase vem das épocas em que os homens se engolfavam em grandes conflitos mundiais, coisa que parece fora de moda ante a ameaça atômica, mas, ainda assim, pode ser adaptada às campanhas eleitorais: "Tempo de eleição, mentira de montão". A "sabedoria" nova sugere a verificação das duas séries, referidas de início, em face do direito.
Começo por lembrar ao leitor que a locução "publicidade enganosa" vem do Código de Defesa do Consumidor. Lá está conceituada como a informação ou comunicação inteira ou parcialmente falsa, ainda que por omissão, capaz de induzir o interessado em erro a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, enfim, a respeito de qualquer dado veiculado na propaganda.
Em meu livro "Publicidade e Direito do Consumidor" (Editora Revista dos Tribunais, 184 páginas) trato de todos os aspectos da propaganda em relação aos bens de consumo.
Nele escrevi que, quando o Código do Consumidor veda a emissão do falso, "entende-se que impõe sejam verdadeiros todos os elementos referidos na publicidade, por qualquer meio, ainda que não incluam todos os dados que caracterizam o produto ou serviço".
Transpondo essa análise para a propaganda eleitoral que se tem visto e ouvido pelo Brasil afora, parece certo que são falsos muitos dos conceitos e muitas das intenções afirmadas pelos disputantes de cargos eletivos. Não dá para não perceber a mentira.
A segunda série de considerações diz respeito à transparência dos gastos feitos na busca do sufrágio popular.
A cada passo as contribuições para a campanha do ex-presidente Collor são lembradas, o que seria muito saudável, se não estimulasse a continuação da hipocrisia político-legislativa. Sim, pois é muito evidente que uma parte, infelizmente indeterminada, das verbas eleitorais continua ausente das contas submetidas à aprovação da Justiça Eleitoral, envolvendo os partidos políticos e seus candidatos.
Ou seja: o direito e a lei ainda não encontraram caminho adequado para criar confiável sistema de conferência dos gastos publicitários.
O ideal a ser perseguido, nesse caso, é o da transparência total, facilitando as contribuições, mas permitindo que elas sejam abatidas como despesa para fins do imposto de renda.
O leitor me dirá, com alguma razão, que a medida proposta vai permitir e estimular outros abusos. Talvez piores que a hipocrisia. Talvez. Contudo, será possível chegar-se a uma visão mais próxima da verdade e da transparência que nunca antes se conseguiu. Servirá ao menos, enquanto o sistema for vigente, para estabelecer um parâmetro mínimo entre o gasto efetivamente realizado e o maquiadíssimo processo, mantido através de decênios, de contas que "batem", contabilmente, mas são mais falsas que uma nota de R$ 30.
Transparência é conceito teórico a ser implementado na prática. Jamais será possível a transparência plena, mas a quebra da hipocrisia dominante será um passo para nos colocar mais perto da verdade.

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