São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Começa nova onda de euroceticismo

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O euroceticismo ataca outra vez. O núcleo dos problemas é a viabilidade dos planos de austeridade fiscal numa região onde o crescimento é anêmico, e o desemprego, endêmico.
O Tratado de Maastricht foi assinado em fevereiro de 1992. Inclui cinco critérios de convergência para permitir o ingresso na União Monetária Européia: inflação até no máximo 1,5 ponto de porcentagem acima da média das três menores taxas de inflação; taxa de juros de dez anos dos títulos do governo até 2 pontos percentuais superior à média das taxas de juros nos três países com as menores taxas de inflação; déficit público não superior a 3% do PIB; dívida pública bruta não superior a 60% do PIB; taxas de câmbio dentro das bandas de variação permitidas pelo sistema de câmbio europeu.
O Conselho Europeu decidirá, no primeiro trimestre de 1998, que Estados atendem às condições de acesso à união monetária. Mas há quem diga ser possível rever as datas e adiar a decisão até janeiro de 2002 (para uma avaliação recente, sugiro o Panorama da Economia Mundial, do Ipea, de julho).
Na semana passada, a tensão política aumentou na Alemanha e na França. Ganha cada vez mais força essa hipótese de adiar ou pelo menos criar "etapas" adicionais para a realização das metas comunitárias. Por razões políticas, é urgente dar mais oxigênio para cada uma das economias do grupo. Para chegar à unificação em 1999, seria necessário começar a cumprir as metas fiscais no ano que vem.
O ministro da Economia alemão, Gunter Rexordt, anunciou na sexta-feira que o crescimento está ganhando ritmo. Cenário otimista: o Produto Interno Bruto alemão poderá crescer em 1996 um mínimo de 0,75%. Menos, segundo o ministro, nem pensar!
Mas enquanto o governo alemão faz esforços para injetar otimismo na economia, os números continuam problemáticos. As novas estimativas apontam para um déficit público crescente. O golpe fatal veio na última quinta-feira: o ministro das Finanças, Theo Waigel, admitiu publicamente que não será possível atingir o objetivo de manter o déficit público este ano em US$ 40,5 bilhões.
Para complicar as coisas, na semana passada as perspectivas para a França também pioraram. Na mesma quinta-feira, o presidente Jacques Chirac afirmava que seu país chegaria a 1999 cumprindo a meta fiscal. Tanto na França quanto na Alemanha as discussões sobre os orçamentos para 1997 serão decisivas, nas próximas semanas.
Os debates (ou melhor, combates) terão início no dia 10 de setembro. E 1998 será ano de eleições gerais nos dois países. Cresce entre os observadores a crença de que ao longo de 1997 haverá um recuo nas metas de austeridade fiscal. O movimento sindical francês, por exemplo, já prepara uma nova ofensiva. Hoje Chirac e Kohl estão reunidos, tentando juntar as peças do quebra-cabeças comum.
O franco chegou na semana passada ao ponto mais baixo dos últimos cinco meses frente ao marco. Enquanto Chirac fazia loas à austeridade, o dirigente da "Caisse Nationale d'Assurance Maladie" (o sistema de saúde pública) anunciava que o déficit da seguridade social chegará neste ano à casa dos US$ 11 bilhões. E na quinta-feira da semana passada, de novo a quinta-feira, milhares de agricultores bloquearam as estradas francesas em protesto contra a queda de preços dos seus produtos.
Atualmente, dos 15 países-membros da UE, apenas a Irlanda, a Dinamarca e Luxemburgo conseguem atender aos critérios de austeridade fiscal de Maastricht.
Mas os problemas não se restringem à França e à Alemanha. Também na semana passada o governo da Itália declarou que precisaria de mais tempo para atingir as metas de Maastricht. O primeiro-ministro Romani Prodi afirmou que a Itália vai negociar etapas "especiais" e "intermediárias". Prodi afirma estar comprometido com a entrada da Itália na Europa, mas "não como um país morto" ou então com "uma economia sobre os próprios joelhos".
Enfim, o euroceticismo está de volta. Mas, agora, os mais céticos são justamente os encarregados de colocar o projeto europeu em pé.

Texto Anterior: Surrealismo tributário
Próximo Texto: As formas de financiamento
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.