São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
'Crescimento e igualdade caminham juntos'
CLÓVIS ROSSI
A entrevista foi concedida no final do mês passado, na Casa Azul, a sede do governo coreano, como parte da ofensiva propagandística para a visita que o presidente fará, a partir do dia 3, a cinco países latino-americanos. No Brasil, Kim Young-sam estará entre os dias 10 e 12, para o que será a primeira reunião de cúpula entre mandatários dos dois países. Kim Young-sam, 69, elegeu-se em 1992 como primeiro presidente civil em três décadas, depois de ter perdido a disputa presidencial de 1987. Antes, fora um dos mais destacados líderes da oposição democrática, tendo passado um ano em prisão domiciliar, a partir de 18 de maio de 1980, por se opor ao regime militar da época. Assumiu em fevereiro de 1993, com um discurso calcado na necessidade de preparar o país para a globalização da economia. A entrevista do presidente, em parte por meio de respostas por escrito a um questionário preparado pela Folha, é a seguinte: Folha - Qual o principal significado de sua visita ao Brasil? Kim Young-sam- O motivo da visita ao Brasil é fortalecer as relações de cooperação bilateral, com vistas ao século 21. Por meio de uma conferência de cúpula com o presidente Fernando Henrique Cardoso, planejo discutir medidas para fortalecer as relações de cooperação entre Brasil e Coréia. A reunião será a primeira de cúpula na história, entre os primeiros mandatários de ambos os países, e servirá como ponto de mudança no desenvolvimento das relações bilaterais. O Brasil é um país líder na América Latina e cumpre função de coluna vertebral na política internacional. Possui, ademais, grande riqueza natural e enorme potencial econômico. As relações brasileiro-coreanas, no setor econômico, aumentaram notavelmente. O intercâmbio comercial aumentou três vezes nos últimos três anos, alcançando, em 1995, cerca de US$ 3 bilhões. Prevê-se que os investimentos coreanos no Brasil aumentarão velozmente dentro de alguns anos. Folha - Até há pouco, as empresas coreanas centraram sua atenção na região asiática e, em seguida, deram prioridade à Europa. Pode-se interpretar sua visita ao Brasil como uma demonstração de interesse no Brasil e no Mercosul? Kim - Com a inauguração da OMC (Organização Mundial do Comércio), o mundo inteiro se encontra em uma era de competição ilimitada e sem fronteiras. Para enfrentar esse desafio, o governo coreano está estimulando continuamente a globalização e as empresas coreanas estão buscando novos sócios no mundo. A razão pela qual visito o Brasil, junto com os principais empresários sul-coreanos, é dar a conhecer que o interesse de Seul pelo Mercosul aumentou. Espero que minha visita ao Brasil sirva de motivo para aumentar os investimentos de empresas sul-coreanas no âmbito do Mercosul. Crescimento e divergência (política) se converteram no maior dilema Folha - O grupo empresarial coreano LG anunciou recentemente que realizará grandes investimentos no Reino Unido. Pode-se interpretar que isso significa que as firmas sul-coreanas, pressionadas pelo alto custo da mão-de-obra, pretendem produzir no exterior, em vez de apenas exportar? Se é assim, não são grandes os riscos de que aumente o já elevado déficit comercial da Coréia do Sul? Kim - Ultimamente, a economia mundial está se unificando e as empresas, na hora de adquirir matérias primas e vender os produtos, tratam de fazê-lo com uma visão panorâmica mundial. Não podemos concluir que a criação de fábricas de certas empresas coreanas no exterior se deva ao aumento do custo da mão-de-obra, mas a uma estratégia empresarial para conseguir a globalização. Grandes investimentos no exterior trazem consigo saída de capital a curto prazo, mas produzem efeitos positivos na balança comercial por meio da exportação de componentes, matérias primas e equipamentos para a instalação. Por outro lado, os rendimentos obtidos regressam à Coréia do Sul, pelo que, a longo prazo, podem trazer efeitos positivos na entrada e saída de capitais. Mas o mais importante é que o êxito obtido pelas empresas que investiram no exterior beneficia tanto o governo de Seul como o país onde se fez o investimento. Folha - Alguns analistas opinam que o desenvolvimento obtido pela Coréia nas décadas passadas é o resultado de governos autoritários que continuaram até 1992 e aos quais o senhor se opôs. O sr. acha que essa análise é correta? Kim - Não se pode negar que o desenvolvimento econômico logrado pela Coréia do Sul se iniciou graças a certos fatores do autoritarismo. Mas, nos últimos 30 anos de acelerado crescimento, aumentaram notavelmente as exigências do povo pela democratização, assim como pela distribuição equitativa da riqueza. A política de crescimento sem o consentimento do povo não podia mais responder às necessidades. Iniciada a década de 80, começaram a aumentar os conflitos trabalhistas. Esse confronto entre empresários e trabalhadores ameaçou até os êxitos econômicos alcançados e deu lugar a forças que negavam a ideologia democrática. Portanto, o problema do crescimento e da divergência se converteu no maior dilema da nação e sua solução não se podia mais adiar. Em conclusão, a Coréia superou a crise política provocada pelo acelerado crescimento econômico, com o derramamento de sangue e suor do povo coreano e por meio do esforço conjunto da população pela democratização. Avalio que a Coréia do Sul é um caso exemplar de superação e desenvolvimento. Como se comprovou em função da globalização, o desenvolvimento econômico e a igualdade social não são idéias que se opõem entre si, mas que podem caminhar juntas, sob o amparo de regras de jogo justas. Folha - O governo francês, com o apoio de setores do governo norte-americano, defende a inclusão, nas regras da OMC, da chamada cláusula social, ou seja, a vinculação de acordos comerciais ao respeito a regras trabalhistas internacionalmente reconhecidas. Qual é a posição do governo coreano? Kim - A conexão entre comércio internacional e regras trabalhistas é um assunto que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) está revisando sem conclusão alguma. É um assunto muito sensível tanto política como socialmente e cada país tem uma posição diferente a respeito. Considero que, em vez de uma discussão prematura no nível da OMC, é preciso que se forme um consenso entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Regionalismo não significa aumentar barreiras para fora da região Folha - O secretário-geral da OMC, Renato Ruggiero, disse recentemente que o mundo corre o risco de não conseguir a liberalização comercial generalizada e se encaminhe para a formação de blocos econômicos regionais. Essa tendência poderia levar ao protecionismo de um bloco contra outro. Como o sr. encara a questão regionalismo x globalização? Kim - Nas últimas décadas, se desenvolveram blocos econômicos como a Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), o Nafta, o Mercosul e a União Européia. Os criadores do Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) não haviam nem sequer imaginado esse resultado. O regionalismo trouxe consigo, além de múltiplas disputas, a incógnita sobre sua sobrevivência junto com o sistema de livre comércio. Os blocos econômicos regionais promovem, em princípio, a liberalização comercial entre países que pertençam ao mesmo bloco e lideram o livre comércio. Particularmente, têm a vantagem de que podem promover o livre comércio em áreas especiais, considerando as características peculiares de cada região. O problema é que o regionalismo pode desenvolver-se em uma direção que enfatize a diferenciação com os países de fora da região e de outros blocos econômicos, produzindo confrontos entre as regiões. Para conseguir a harmonia entre o regionalismo e o pluralismo, deve-se promover a cooperação entre regiões, respeitando os princípios da OMC. Também é necessário que, na própria OMC, se fortaleçam as funções de monitoramento e controle sobre os acordos regionais estabelecidos. O governo sul-coreano, como parte de sua política exterior, planeja fazer com que a questão do regionalismo seja debatida na conferência da OMC prevista para dezembro em Cingapura. Por outro lado, o governo coreano participa ativamente nas atividades da Apec, que professa um regionalismo aberto. Espero que o princípio da Apec, de que o regionalismo não significa aumentar as barreiras a países de fora da região, seja aceito como base nos convênios que se estabeleçam em outras regiões. Texto Anterior: Coréia do Sul ensaia o segundo salto Próximo Texto: Investimento em educação ajudou milagre Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |