São Paulo, quarta-feira, 4 de setembro de 1996 |
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Leitores, torcedores e jornalistas
SÉRGIO DÁVILA
Se tudo já foi feito, porém, nada ainda foi feito realmente. O jornalismo cultural padece da mesma doença de que sofria, por exemplo, o jornalismo esportivo há cinco, dez anos. Falta objetividade, falta distanciamento: falta jornalismo. Toda uma geração, até mais que uma geração, de jornalistas culturais foi criada para achar -não necessariamente pensar, mas achar, sempre. O "achismo", pode-se chamar assim, é a tônica. Há aí um paradoxo: por um lado, o jornalista que trabalha na área de cultura é considerado -e se considera- especial, diferente dos outros. Afinal, ele pode julgar, opinar, "achar" a qualquer hora do dia, sobre qualquer assunto. O que parece distinção, porém, logo se revela preconceito. Para as editorias "sérias" de um jornal, para os jornalistas "sérios" da profissão, até para entrevistados, muitas vezes o jornalista cultural não é um jornalista de verdade. Parece haver uma saída, no entanto, e é o que se tenta fazer agora na Ilustrada. É possível aplicar ao jornalismo cultural os mesmos preceitos básicos das outras áreas do jornalismo? Coisas simples como identificar claramente para o leitor o que seja opinião e o que seja reportagem? O que seja juízo e o que seja entrevista? É possível, mesmo, não haver mais a distinção entre jornalismo cultural e os outros jornalismos? E que tudo seja apenas jornalismo? É preciso crescer para ser tratado como adulto. Os cadernos culturais, criados "ontem" a se levar em conta a idade da imprensa, tentam engatinhar numa e noutra direção. Um dia, podem até vir a ter o mesmo peso num jornal que os assuntos da política, por que não? Quem se ofende só com a comparação que faça o seguinte teste: falar com dez paulistanos e ver quantos têm opinião sobre Caetano Veloso, por exemplo, e, entre os mesmos dez, quantos já escolheram candidato a vereador. Deve dar cultura na cabeça. Num reduto tão novo, já houve tempo para que o opinionismo desenfreado dominasse. Como toda doença infantil, chegou a ser bem-vindo e mesmo necessário. O leitor, isolado, dependia do jornalista iluminado que comprasse a revista inglesa e lesse para ele; que escutasse o lançamento do grupo nova-iorquino e dissesse se era para achar bom ou ruim. Hoje, o leitor de caderno cultural quer ser informado, não mais formado. Compra ele mesmo a revista na banca da esquina ou pede pela Internet o CD em questão. É preciso suar um pouco mais para satisfazê-lo. Suar um pouco mais nos cadernos culturais, que não estavam acostumados a isso, significa fazer jornalismo -reportagem, entrevista, coisas assim. Eis a revolução possível dos anos 90, um dos caminhos possíveis de mudança. Reações Mas há reações. Em seu artigo publicado ontem na Ilustrada, a jornalista Bia Abramo, que já editou este caderno em outras épocas, grita contra entrevista feita com o músico Caetano Veloso e o escritor João Ubaldo Ribeiro. Ela reclama do que chama de "espiral acrítica" e de "servilismo" da Ilustrada diante do filme "Tieta", para ela "pífio" e "precário", do qual participam pessoas enredadas "numa teia de auto-indulgência e condescendência mútua", que repele reparos "com unhas e dentes". Trata-se dos dois primeiros parágrafos dos 19 escritos pela jornalista, e o leitor já pode perceber a quantidade dos adjetivos e a qualidade dos argumentos. Tirem-se os adjetivos e as qualificações -"blablablá inócuo", "festival de rapapés e amabilidades", entre vários- e o que sobra poderia ser resumido em poucas linhas: a jornalista não suportou ler uma entrevista isenta sobre um filme que odiou. Como o torcedor de futebol que confunde a notícia no jornal (de que seu time perdeu) com a tomada de partido do jornal (pelo time que ganhou), a jornalista classifica de servilismo o que poderia ser chamado de isenção. Que não se confunda isenção com ingenuidade: estão lá, na entrevista, o debate, o confronto, a busca pela informação. Que não se confunda, ainda, "barulho em torno" com senso jornalístico. "Tieta do Agreste" é um filme brasileiro que estreou em 117 salas pelo país, foi visto só no primeiro fim-de-semana por 120 mil pessoas. Custou US$ 5 milhões, dez vezes mais que o orçamento médio de um filme nacional. Comparadas as realidades, seria como um filme americano de US$ 500 milhões -alguém deixaria de noticiar produção de tal estatura? A jornalista não noticiaria? Assistiria ao filme pelo leitor, diria que é ruim e ponto final? (Ponto final que nem a Ilustrada colocou; a crítica de Arnaldo Jabor foi apenas um ponto de vista entre outros que virão -e virão.) Reportagem é reportagem, opinião é opinião. Essa é a descoberta que os cadernos culturais precisam fazer. Mesmo que os generais do "achismo" odeiem a idéia. Ou amem. Texto Anterior: 'Assédio' frustra espectador Próximo Texto: 'Bahia de Todos os Sambas' vale só como registro Índice |
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