São Paulo, quarta-feira, 4 de setembro de 1996
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'Bahia de Todos os Sambas' vale só como registro

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

"Bahia de Todos os Sambas", de Leon Hirszman e Paulo César Saraceni, poderia ter sido o grande último beijo do Cinema Novo na MPB.
Elenco não faltava: o patriarca Dorival Caymmi, sua filha Nana, o revolucionário João Gilberto, Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil, o percussionista Naná Vasconcelos, Moraes Moreira e Paulinho Boca de Cantor, o trio elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar, entre outros.
Exibido ontem para a imprensa e hoje para o público como um dos "Eventos Especiais" de Veneza-96, "Bahia" nunca chega lá.
Navegador genovês
Tudo começou como um grande festival dedicado à cultura baiana na Roma de 1983. O patrono de mais esta ponte Brasil-Europa foi Giovanni Batista Amico, Gianni para os íntimos, bem definido pelo texto de Gustavo Dahl como "um navegador genovês que em 1960 redescobriu o Brasil". Apenas agora, 13 anos depois, a versão filmada do evento fica pronta para as telas.
É sobretudo um documento, não um documentário. "Bahia de Todos os Sambas" peca pela debilidade de sua estrutura dramática e pela ausência de uma montagem mais rigorosa. As sequências se sucedem sem maior organicidade, como se a mera origem comum lhes garantisse coesão fílmica.
Essa fragilidade estrutural incomoda proporcionalmente à importância do material bruto. Contam-se alguns momentos memoráveis. De saída, Leon Hirszman transforma Caetano Veloso no repórter ideal para entrevistar Dorival Caymmi.
É um encontro antológico, com Caetano resumindo a importância de Caymmi na história das descobertas internacionais da música popular brasileira, até classificá-lo como "a Carmen Miranda em slow motion".
Berimbau
Nana se junta a Dorival Caymmi na "Suíte dos Pescadores", explodindo na tela o contraste entre pai, mais "Buda Nagô" do que nunca, e filha, uma força da natureza.
Naná Vasconcelos transforma um berimbau numa mágica caixa de instrumentos. Até João Gilberto deixa-se devassar em plena criação, ao menos num belo flagrante ("Estate").
Mas são instantes dispersos, tijolos cintilantes numa construção mal erigida. Elementos da cultura baiana, como uma exibição de capoeira nas ruas de Roma e um passeio de baianas a caráter pela Fontana de Trevi, marcam presença ao acaso. Os shows de Caetano, Gil e Gal são desperdiçados, jamais alcançando o poder hipnótico, por exemplo, das cenas de "Doces Bárbaros".
Um bom termômetro foi a projeção para a imprensa. Começou com menos de meia sala (sinal dos tempos), terminou quase vazia. Viva o registro, passe o filme.

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