São Paulo, quinta-feira, 5 de setembro de 1996
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Espectador pragmático substitui torcedor 'fiel'

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Houve no ano passado uma calorosa discussão, alimentada por estatísticas, sobre que time seria melhor: o Santos de Pelé ou o Palmeiras de Wanderley Luxemburgo. Hoje está claro que a questão estava desfocada, e a polêmica girava em falso.
O motivo é simples. O chamado Santos de Pelé durou mais de uma década, com alterações pontuais sendo realizadas aos poucos, sem traumas. As trocas de jogadores eram quase sempre resultado de aposentadoria por idade e tempo de serviço. Como Edu no lugar de Pepe, por exemplo.
Agora compare a escalação do Palmeiras do ano passado com a atual. São times completamente diferentes. E do Palmeiras de três anos atrás não restou nem sombra.
O fato é que a vida útil dos supertimes está se tornando cada vez mais breve. As fases áureas do Inter de Falcão, nos anos 70, e do Flamengo de Zico, nos 80, duraram uns cinco anos. Hoje, uma grande esquadra dura uma primavera e em seguida murcha.
A razão da mudança é óbvia: como o futebol funciona cada dia mais como grande negócio, a rotatividade dos jogadores atende de modo muito mais imediato às leis de mercado. Os clubes compram e vendem seus craques de acordo com sua cotação na bolsa do dia.
Sempre foi assim, dirão alguns. O problema hoje é a rapidez com que se verifica a valorização ou a depreciação de um atleta. No negócio futebol, tudo se tornou urgente, frenético, vertiginoso.
E nos acostumamos com isso. É comum ler nos jornais que Fulano era o melhor jogador do país até o mês passado, ou que Beltrano teve seu passe valorizado depois do jogo do último fim-de-semana.
Assim, nos últimos três anos, assistimos aos brevíssimos reinados de Raí, Romário, Giovanni e Rivaldo. Hoje, o trono é ocupado por Ronaldinho -pelo menos até o fechamento desta edição.
Sem entrar em qualquer juízo de valor, o fato é que a alta rotatividade dos jogadores tem efeitos devastadores.
Primeiro: os grandes times têm dificuldade em manter uma espinha dorsal e um padrão de jogo. O treinador tem que se virar para entrosar jogadores juntados às pressas, sabendo que logo vai perder alguns deles e ter de começar tudo de novo.
Segundo: dilui-se a identificação entre um jogador e um clube. O jogador não é mais a "cara" de um determinado clube. Em poucos jogos, por exemplo, nos acostumaremos com a imagem de Viola com a camisa do Palmeiras.
A tendência, a longo prazo, é que os próprios clubes percam importância, do ponto de vista do público, em favor de um conceito mais pragmático de espetáculo. Não estou falando das ditas "organizadas", que têm mais a ver com gangues de rua que com futebol.
A própria "Fiel" não é mais tão fiel assim: o Corinthians está na lanterninha das rendas. Acabou o tempo em que o torcedor dava a vida pelo clube. Daqui para a frente, cada vez mais, o espectador vai pagar para ver o jogo que tiver mais craques em campo -como quem escolhe a peça de teatro em função dos atores ou o concerto em função dos músicos. É o fim da paixão?
Matinas Suzuki Jr., que escreve às terças, quintas e sábados, está em férias

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