São Paulo, quinta-feira, 5 de setembro de 1996
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A coluna de Trajano

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Já contei, há tempos, a história daquele empresário que enfrentou uma greve. Depois de algumas negociações, ele se dignou a receber a comissão de grevistas que desejava expor as reivindicações básicas. Se atendidas, a greve seria suspensa e todos voltariam ao trabalho.
O empresário era bom homem. Recebeu paternalmente os grevistas com a pergunta: "Meus filhos, vocês não sabem que o Muro de Berlim caiu? Esse negócio de greve já era!"
Muita gente há que, com outras palavras, diz a mesma coisa. Tendo caído o Muro de Berlim, a luta pela justiça social não tem mais sentido, o socialismo é coisa do passado, retrógrado, ou, como quer o presidente da República, coisa de pobre de espírito.
O afobado come cru -não sou eu quem o digo, é a sabedoria dos séculos. O imperador Trajano afobou-se: era também bom homem, Suetônio e Renan fazem elogios a ele, apesar de ter perseguido os cristãos em todo o Império Romano.
Trajano foi tão eficiente nessa perseguição que cismou de erguer uma coluna, por sinal existente até hoje, no foro que tem o seu nome, ali ao lado da Piazza Venezia. Na coluna, ele colocou a inscrição consagradora: "O nome dos cristãos foi destruído". Ou seja, não havia mais cristão ao longo do imenso império. O Muro de Berlim havia caído.
Conhecemos a história. Hoje, a coluna de Trajano é uma referência turística. Perto dela há uma taberna, chamada Ulpia. Foi fechada diversas vezes pela polícia, era um dos pontos de droga mais famosos de Roma.
Drogados da África, da Ásia e sobretudo da Europa tinham dificuldade de encontrar a taberna, que é meio escondida.
A referência que recebiam era: "Perto da coluna de Trajano". Ao menos para isso ela serviu.
Quanto aos cristãos, eles continuam por lá. Do outro lado do Tibre, há um sujeito vestido de branco que é uma espécie de sucessor de Trajano.

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