São Paulo, sexta-feira, 6 de setembro de 1996
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"A Lei do Desejo" tem Banderas homoerótico ; Curiosidades

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A Lei do Desejo" tem Banderas homoerótico
Com dez anos de atraso, chega finalmente aos cinemas brasileiros aquela que é talvez a obra-prima de Pedro Almodóvar, "A Lei do Desejo" (1986).
O filme, quinto longa-metragem do diretor espanhol, foi escolhido para inaugurar, no início de outubro, o novo Espaço Unibanco de Cinema, no Rio (leia abaixo), e será lançado também no Espaço Unibanco de São Paulo.
Quem já viu algum filme de Pedro Almodóvar sabe que no universo do diretor espanhol o desejo é a força motriz de tudo -seja do sublime, seja do horror. Não por acaso, sua produtora se chama "El Deseo".
"A Lei do Desejo", nesse sentido, é seu filme mais completo e radical.
Narra a trajetória de dois irmãos, o cineasta Pablo Quintero (Eusebio Poncelo) e a atriz Tina Quintero (Carmen Maura).
Ele, homossexual assumido, envolve-se simultaneamente com dois rapazes. Um deles (Antonio Banderas) é um andaluz ciumento que desequilibra o triângulo e o transforma numa tragédia sangrenta.
Ela, infeliz com os homens, tem uma história secreta que só será revelada no final e que dará um novo sentido a toda a trama.
Mais do que oscilar entre a comédia e a tragédia, o filme as funde numa nova forma de melodrama, que Almodóvar criou e domina como ninguém.
Curiosidades
Há inúmeras curiosidades dignas de nota em "A Lei do Desejo". Uma delas foi a tentativa de interdição da carreira internacional do filme por Antonio Banderas. O ator protagoniza algumas cenas homoeróticas "muy calientes" e ficou temeroso de que elas pudessem prejudicar sua atual imagem de "latin lover".
Outra curiosidade é a verdadeira antologia do gosto gay que perpassa o filme, da peça "a Voz Humana", de Jean Cocteau, à canção "Ne Me Quite Pas" (cantada por Maysa), passando pelo florido exuberante das camisas masculinas.
Para além desses detalhes -por mais que sejam importantes para configurar a atmosfera e o "look" característicos do diretor-, o que importa mais é o humanismo radical de Almodóvar.
Sob uma profusão de aparentes aberrações -incesto, transformismo, pedofilia, masoquismo-, pulsam seres contraditórios, imperfeitos e belos, que são humanos porque amam e desejam.
O erotismo -que, no universo de Almodóvar, é a cara mais verdadeira do amor- atropela as leis sociais, as relações de poder, a servidão do dinheiro.
A única força que o enfrenta de igual para igual (e que não o vence, mas o matiza e transfigura) é a religião, ou o desejo de transcendência pelo sagrado. E "A Lei do Desejo" é repleto de cenas religiosas memoráveis.
Numa delas, a pecadora Tina entra numa igreja com sua angelical filha adotiva Ada, e entoa com emoção um hino católico aprendido na infância. Em outra, ao saber da morte de um homem que ama, a pequena Ada volta-se para uma imagem da Virgem e suplica, transtornada: "Faça com que ele ressuscite".
Almodóvar realiza assim uma transfusão entre o sagrado e o profano, buscando o carnal no místico e o místico no carnal. É um grande artista em seu melhor momento.

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