São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
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Republicanizar a República

MARCO MACIEL

As mudanças econômicas e as transformações sociais não esgotam o processo indispensável para a adaptação do Brasil às novas exigências de um mundo em que a competição e a integração se tornaram inevitáveis.
Temos de completar essa obra com a reforma da estrutura política institucional, opinião que expomos, insistentemente, antes mesmo da realização do plebiscito de 21 de abril de 1993, no qual o povo se pronunciou pela manutenção do regime republicano e do sistema presidencialista. Isto implica a necessidade de promover a refundação do Estado, o que significa republicanizar o regime, e, ao mesmo tempo, reestruturar o sistema federativo.
Não se trata apenas de operar algumas mudanças formais e limitadas deste ou daquele poder. É preciso algo mais abrangente e profundo, em relação aos três ramos especializados de atuação do governo. Urge uma reforma legislativa que implique, concomitantemente, a alteração dos mecanismos decisórios da representação política para que possamos, a partir daí, consumar a reforma do próprio Legislativo, em todos os níveis, tornando-o mais ágil e ajustável, em consonância com as mudanças que se operam na sociedade à revelia do Estado.
O mesmo se pode dizer em relação ao Judiciário. Tão importante quanto dinamizar e tornar mais acessível a proteção jurisdicional dos juízes e tribunais é o desafio de ajustar a lei aos imperativos da Justiça, sem que isto implique diminuir o respeito ao devido processo legal e ao direito de defesa. Para tal, é imprescindível que os órgãos da Justiça tenham um poder decisório mais eficiente, com autonomia na garantia efetiva dos direitos coletivos, quer no campo econômico, quer no âmbito social.
No âmbito do Executivo, temos de tornar mais eficiente a capacidade de operação das diferentes áreas em que se exige a proteção ou a intervenção do Estado, não em favor do seu próprio fortalecimento, mas na tutela dos direitos do cidadão, definindo suas atividades em setores de atuação direta e, ao mesmo tempo, estabelecendo o exercício de um poder regulatório ágil e célere.
Outro ponto relevante é a reforma dos três sistemas do regime democrático, que chamaremos operativos -o sistema eleitoral, o sistema partidário e o sistema de governo. É preciso compatibilizarmos o sistema eleitoral e o sistema partidário, com o objetivo de garantir a representatividade e aumentar a governabilidade.
No sistema eleitoral, não basta a existência de um processo estável e permanente que ponha fim à prática da elaboração de uma nova lei para cada eleição. Devemos mudar o próprio modelo proporcional de listas abertas, hoje existente em apenas dois países do mundo, um dos quais o Brasil.
Temos de escolher, entre as inúmeras modalidades e alternativas de correção que estão sendo aperfeiçoadas ao longo do tempo, aquela que evite a proliferação de partidos, o que descaracteriza e compromete o quadro partidário. Ao mesmo tempo, é preciso que o próprio período eleitoral e os métodos de financiamento, tanto das eleições quanto dos partidos, sejam ajustados à rotina da vida civil, para que não perturbem a normalidade do exercício da cidadania.
O sistema de governo que resultará fatalmente desses novos modelos terá de se ajustar às exigências da democracia participativa, em que as normas, as regras e a própria atuação do poder público respondem à cidadania, servindo à sociedade e não servindo-se da sociedade. Esse enfoque implica um sistema tributário simplificado, não-regressivo e correspondente à capacidade contributiva do cidadão.
Sem essas mudanças, não colheremos os efeitos de um processo de transformação que está apenas começando e que não pode ser interrompido, sob o risco de frustrarmos, mais uma vez, as aspirações manifestadas pela sociedade brasileira em inúmeras eleições, cujos resultados são indicativos seguros dos rumos a serem trilhados pelo Brasil.

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