São Paulo, segunda-feira, 9 de setembro de 1996
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Rage levanta sua bandeira para os russos

RJ Smith

RJ SMITH
DA "SPIN"

O Rage Against the Machine está se preparando para tocar em Moscou. Adolescentes com jaquetas de couro preto esmurram-se uns aos outros nos ombros enquanto recitam letras do Rage como se estivessem decorando fitas de aprendizado de inglês.
No backstage, entre corredores tortuosos e sem janelas, o cheiro de sete décadas de mofo úmido ataca nossas narinas. Um jornalista russo entrevista Tony Morello, o guitarrista do Rage: "Você pode explicar sua atitude com respeito às realidades sociais modernas?"
Sim, ele pode. Porque embora a extinta União Soviética tenha inventado a expressão agitprop, Morello, 31, é quem está garantindo que o termo não caia em desuso.
O entrevistador pergunta a ele sobre suas inspirações políticas, e pode-se perceber o bom esquerdista Morello tentando se sair com uma resposta que seja ao mesmo tempo pró-revolucionária e que não soe maluca demais num país que não parece estar muito disposto a uma revolução no momento.
Ele rapidamente cita os nomes de Emma Goldman e Rosa Luxemburgo -revolucionárias que prosperaram fora da Rússia, e que portanto não foram maculadas pelo Gulag. E adverte os russos que estão fugindo do autoritarismo a não adotar os excessos do moderno Ocidente. "Eu aconselharia todos os seus ouvintes a observar de perto Boris Ieltsin e seus patrões em Wall Street", diz.
Em outra sala, os membros da banda estão se vestindo para a batalha. Tim Bob, 27, o baixista alto e careca, já ostenta sua cara de mau. Brad Wilk, 27, o baterista, conversa com amigos, carregando um punhado de cuecas que a banda exigiu em contrato; roupas de baixo grátis são melhores do que se preocupar com lavanderia.
O clima da sala é bem relaxado, e as conversas são calmas, mas o vocalista Zack de la Rocha, 26, está sentado em uma cadeira olhando para um buraco no seu tênis.
Ele já vestiu a camiseta que usará no show, com dois olhos de história em quadrinhos observando intensamente por trás de uma máscara. Mas é impossível perceber o que os olhos de La Rocha dizem. Ele parece possesso, viajando... até que começa a pular feito maluco.
O show começa com "People of the Sun", o mais recente single de seu segundo álbum, "Evil Empire". Eles pulam, gritam, esbarram, dançam.
A segunda canção é "Bullet in the Head", um hino contra a aceitação cega de sua gangue ou seu país. La Rocha grita para os russos. E a galera responde com "Inside Out", o nome da primeira banda em que La Rocha cantou. Ninguém lembra deles, nem mesmo nos EUA. Os russos lembram. Isso é amor. E isso é loucura.
Depois de uma visita ao Mausoléu de Lênin, Morello pisca sob o sol ardente e reajusta seu boné de Harvard, a universidade onde estudou. Ele pára para pensar, por um momento. E expressa seu pesar de uma maneira que demonstra o gosto agridoce da turnê do Rage Against the Machine na Rússia: "Comi batatinhas oleosas do McDonald's à sombra do monumento à revolução de 1905", diz. "Isso é uma dupla vergonha."
Num momento em que os críticos estão lamentando o desaparecimento da política não só das canções de grupos famosos de rock, mas até mesmo do repertório das bandas alternativas, eis um conjunto ganhador de discos de platina que audaciosamente ataca um enorme elenco de vilões -Oliver North, os colonos israelenses da Margem Ocidental do Jordão, as rádios comerciais, Pete Wilson, governador da Califórnia...
As letras pregam a luta de classes. Uma das guitarras de Morello tem um adesivo onde se lê: "Armas para os sem-teto".
A diferença entre o Rage Against the Machine e os outros músicos que tentaram fazer política com suas canções é que as letras e o som caminham em direções opostas. Enquanto as palavras parecem ser transportadas por um laser, o som pega na boca do estômago, mistura pesada de metal e hip hop.
A carreira do Rage Against the Machine decolou rápido. Fizeram seu primeiro show em 1991, assinaram com a gravadora Epic em 1992, lançaram seu primeiro disco, com o nome da banda, naquele mesmo ano, e conquistaram aprovação instantânea dos principais críticos de rock dos EUA.
Eles gostam de correr riscos. No Lollapalooza de 1993, apareceram nus no palco, com as bocas fechadas por esparadrapo, e ficaram lá por 15 minutos, num protesto contra a censura a letras de rock.
Eles atacaram violentamente uma importante estação de rádio de Los Angeles porque a rádio tinha cortado um palavrão de uma de suas letras. E foram expulsos do programa de TV "Saturday Night Live" este ano por desrespeitar a bandeira dos Estados Unidos.
O show em Moscou terminou. Não houve bis. Não era preciso. No corredor, do lado de fora dos camarins, o adolescente russo Vasya Gavrilov, guitarrista de uma banda local chamada Against the Stream, está encostado numa parede.
"Eu não tenho documentos, saca?", diz num inglês torto e com um enorme sorriso. Não tem passe para os bastidores. "Para chegar aqui, tive que ser esperto."
Enquanto ele espera pela saída do grupo, Gavrilov me pergunta: "Eles realmente gostam do comunismo?" Ele pergunta isso da mesma maneira como os garotos costumavam perguntar se Ozzy realmente mordia morcegos e arrancava-lhes a cabeça. "Se eles tivessem vivido aqui nos últimos 70 anos, não tocariam essa música."
É esse o momento que Morello escolhe para sair do camarim, usando seu boné onde está escrito Commie (comunista), e Gavrilov o aborda para pedir um autógrafo. Enquanto corre em direção à banda, pergunto por que está aqui, se está tão incerto quanto à política do grupo. O russo me olha. "Esqueça as contradições, cara. Eles são o máximo".

Tradução: Paulo Migliacci

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