São Paulo, segunda-feira, 9 de setembro de 1996
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Hermeto Paschoal ganha primeira biografia

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

O multiinstrumentista alagoano Hermeto Paschoal ganha, até o ano que vem, sua primeira biografia.
O escritor e dono de sebo de discos José Roberto Torres, 36, trabalha desde 1989 num livro baseado em material sobre o músico recolhido desde os anos 70.
A biografia conterá depoimentos de cerca de 90 pessoas que conviveram com Hermeto -além do próprio.
A editora Globo já tem contrato pronto para Torres assinar.
"Mas estou procurando uma outra editora que banque o projeto de lançar junto um CD com gravações raras do Hermeto", afirma.
Material não lhe falta: "Possuo cerca de cem discos de Hermeto, entre solos e participações em trabalhos de outros artistas".
Entre as gravações, inclui-se o que Torres afirma ser a primeira gravação de Hermeto.
Trata-se de um compacto lançado pelo pernambucano Clóvis Pereira em 1956, com a canção "Adeus, Maria Fulô" (de Humberto Teixeira e Sivuca, regravada pelos Mutantes em 1968), em que Hermeto toca acordeão.
À época, Hermeto Paschoal ainda era conhecido como "Sivuquinha", pela semelhança física com o músico.
Daí até seu primeiro disco, "Hermeto" (de 1971, lançado nos EUA), demoraram ainda 15 anos.
No Brasil mesmo, só em 1973 o multiinstrumentista foi gravar um disco solo, "A Música Livre de Hermeto Paschoal".
Histórias
Não faltam na narrativa de Torres histórias sobre Hermeto Paschoal.
Entre elas, o escritor pretende encerrar a lenda sobre as composições que o músico de jazz Miles Davis teria roubado de Hermeto nos EUA.
A fonte é o depoimento de Airto Moreira, músico radicado nos EUA que tocou na banda de Davis e participou da polêmica.
Segundo sua versão, anotada por Torres, em 1970 Miles quis incluir músicas de Hermeto no disco que gravava.
O multiinstrumentista surpreendeu o jazzista afirmando que podia criar uma composição na hora.
Compôs duas (depois batizadas "Igreja" e "Nenhum Talvez"), na presença de Davis, um piano e um gravador. Algum tempo depois, as músicas apareceram em disco de Miles -como sendo da autoria do americano.
Airto se indignou e reclamou para Wayne Shorter e Herbie Hancock, que teriam dado gargalhadas, dizendo que Miles também roubara composições deles.
Airto comprou a briga. Registrou -num papel velho, em que colocou data antiga- as músicas como de autoria de Hermeto.
Miles acabou entrando em acordo com o brasileiro -a primeira edição do disco foi retirada do mercado e foi determinado que, em qualquer reprensagem posterior do disco, o nome do autor Hermeto Paschoal seria anexado.
Segundo Torres, quando Airto tomou satisfação com Miles sobre o caso, o músico respondeu que ele era garoto e tinha muito a aprender ainda.
"O caso mostra muito sobre o mundo do jazz. Os caras eram gângsteres", conclui Torres.
Esquistossomose
Outra curiosidade envolve também Miles Davis. Hermeto, ainda garoto, contraíra esquistossomose em Lagoa da Canoa, onde nasceu, e sempre sofreu fortes dores de estômago em consequência.
Foi com tais dores que conheceu Miles em Nova York. Imediatamente, ele mandou Hermeto a seu médico particular, no Harlem. Hermeto acabou cobaia de uma vacina experimental.
Enquanto esperava as aplicações esporádicas da vacina, se divertia fazendo barulhos estranhos com a boca para os habitantes do Harlem, em geral negros espantados com a aparência albina de Hermeto, inevitavelmente interpretado como maluco.

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