São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 1996 |
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Soldado austero preparou democracia
THOMAS E. SKIDMORE
Lutou do lado vencedor tanto na revolução de 1930 quanto na revolução paulista de 1932. Galgou com perseverança os postos militares, nos anos 30 e 40, obtendo um estágio no Fort Leavenworth, Estados Unidos, em 1945. Frequentou a Escola Superior de Guerra em 1953 e, com isso, passou a integrar a elite civil-militar do Brasil. Geisel atuou como chefe do Gabinete Militar do presidente Café Filho em 1955, e novamente, por um breve período, durante o governo do presidente Jânio Quadros, em 1961. Alarmado pela desintegração do governo sob o presidente João Goulart, juntou-se à conspiração bem-sucedida encabeçada pelo general Castello Branco. Com a queda de Goulart, reassumiu a chefia do Gabinete Militar e foi o braço direito de Castello durante seus três anos de governo. A seguir, Geisel serviu como ministro do Superior Tribunal Militar. Em 1969 tornou-se presidente da Petrobrás, cargo em que ficou conhecido pelo estilo administrativo exigente e austero. Em 1973, foi escolhido pelo alto escalão militar como candidato oficial à Presidência da República. Para isso, sem dúvida, contou com a ajuda do general Orlando Geisel, seu irmão e então ministro do Exército. A eleição indireta de Geisel à Presidência em 1974 representou o retorno dos militares moderados, que haviam perdido o controle para a linha dura antes mesmo que Castello deixasse o poder. A ditadura que se seguiu, sob o presidente Médici, transformou o Brasil em pária internacional por suas violações de direitos humanos. Geisel e os castellistas, dos quais era líder o general Golbery do Couto e Silva, queriam liberalizar o sistema sem perder o controle sobre ele. Seu primeiro inimigo era linha dura militar, determinada a usar a tortura Os problemas políticos de Geisel desenvolviam-se em duas frentes. Seu primeiro inimigo era a linha dura militar, determinada a empregar a tortura para desestabilizar o novo regime. Por outro lado, Geisel, de seu ponto de vista militar, não podia se permitir entregar o poder à oposição civil. Geisel derrotou a linha dura em 1976, quando demitiu o comandante do 2º Exército, general Ednardo D'Ávila Mello, e no ano seguinte, ao demitir o ministro do Exército, Sylvio Frota. Ainda em 1977, baixou o Pacote de Abril, que arbitrariamente emendou a Constituição para garantir a Arena o controle do Congresso. Sob essa salvaguarda, Geisel revogou o AI-5, suspendeu a censura e eliminou gradualmente as prisões políticas e a tortura. O presidente cumpriu sua promessa de promover uma "abertura lenta, gradual e segura". Geisel foi também muito ambicioso em sua política econômica, que era centralizadora e estatizante. A despeito da chantagem da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) em 1973, o governo Geisel decidiu manter o crescimento rápido (a taxa sob Médici havia sido de 10% ao ano) por meio de empréstimos externos. A indústria cresceu, mas o Brasil acumulou uma enorme dívida externa Muito desse capital foi aplicado em investimentos de grande escala no setor público, nos quais o retorno era bastante incerto. A capacidade industrial aumentou, mas o mesmo aconteceu com os projetos do tipo "elefante branco", como a ferrovia do aço. Negativa também era a enorme dívida externa que o Brasil acumulava. Em política externa, Geisel também se revelou capaz de jogadas ousadas, nas quais era habilidosamente assistido pelo chanceler Azeredo da Silveira. Em 1975, lançou mão do terceiro-mundismo ao reconhecer os rebeldes comunistas de Angola. Em julho de 1975, a assinatura de um acordo nuclear para transferência de tecnologia no valor de US$ 10 bilhões, com a Alemanha, surpreendeu os meios diplomáticos. Mas se encaixava na estratégia de Geisel de buscar fontes alternativas de energia, da qual o gigantesco programa do álcool-combustível para automóveis era parte essencial. Os EUA se opuseram vigorosamente ao acordo nuclear e também criticaram duramente as violações de direitos humanos no Brasil. O governo Geisel reagiu cancelando unilateralmente o acordo militar de 1952 com os Estados Unidos. Geisel conseguiu impor seu candidato à sucessão presidencial, João Baptista Figueiredo, um general de espírito jovial, ainda que pouco brilhante, que afinal justificou a confiança de Geisel e levou adiante a abertura. Geisel deixou o poder em 1979, prometendo jamais voltar a ter papel político. Manteve a promessa. Assumiu um alto cargo executivo na empresa química Norquisa, posição na qual seus muitos contatos civis e militares provaram-se úteis. Ernesto Geisel nasceu para comandar. Mas travou sua maior batalha no interior de seu próprio Exército. Será lembrado como o soldado austero que deu uma outra chance à democracia. Thomas Skidmore, 64, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), brasilianista desde 1961, é autor dos livros "Brasil: de Getúlio a Castelo" e "Brasil: de Castelo a Tancredo" Tradução de Lucia Boldrini Texto Anterior: Geisel fechou Congresso e iniciou abertura Próximo Texto: Geisel sugeriu criação do SNI Índice |
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