São Paulo, sábado, 14 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Produção do mau direito

WALTER CENEVIVA

Na democracia brasileira relativamente capaz (não atingiu a maioridade, assim como na criança a caminho da juventude), o enfrentamento dos fatos da vida ou chega muito cedo, quando ainda não preparada para eles, ou muito tarde, quando passou a melhor oportunidade para seu aprimoramento.
A Constituição de 1988 registra os meios de ação da jovem democracia brasileira, sob forma reajustada e adaptada nos últimos dois anos.
Bem observado, o retrato brasileiro de 1988, consolidado na Carta Magna, mostrou mais temor do passado -e, convenhamos, com carradas de razão- que entusiasmo pelo futuro. Esse retrato se completa com as muitas leis, os inúmeros decretos, as infinitas resoluções administrativas que integram os quadros da lei vigente. Tudo a perfazer um quadro de imperfeições que não conseguimos superar.
Tem-se falado muito em corrupção e em desrespeito à lei (mais que em desperdício de recursos, nosso grande mal nacional). O problema, em linhas gerais, se relaciona com a pouca aptidão da nossa imberbe democracia de convencer o povo de que se trata de um sistema capaz de enfrentar, melhor que os outros, as dificuldades do mundo moderno, inclusive e principalmente as referentes à ação estatal no combate à violência.
Os políticos parecem dispostos a demonstrar a tese oposta, divididos numa longa série de partidos, nos quais a instabilidade de filiações e a infidelidade do voto sugerem o exagero do fisiologismo, que certamente se agravará depois das eleições de 3 de outubro.
O legislador é personagem essencial do direito vigente. Em cada município, são os vereadores. Em cada Estado, são os deputados. Em nível federal, são senadores e deputados. Todos, em conjunto, compõem a grande massa da chamada classe política, nela cumprindo (ou não cumprindo) o papel de legisladores, ao lado do Executivo federal com sua fúria criativa de medidas provisórias. São os produtores do direito positivo, ou seja, das leis em vigor, algumas de sua iniciativa, e outras em que a iniciativa cabe apenas aos dos chefes de Executivo. Estes e aqueles são maus produtores quanto à qualidade, a qual piora nas grandes desovas imprudentes e volumosas dos mal-ajustados recessos pré-eleitorais.
As pesquisas sobre o "homo politicus" brasileiro não são diversas das que se encontram em outros países. A principal crítica da cidadania atinge a incapacidade do legislador de se ajustar aos problemas característicos da sociedade moderna. A crítica, ecoada pelos meios de comunicação social, gera um subproduto negativo, relativo aos defeitos da democracia, à medida que se perdem no tempo as más lembranças dos anos ditatoriais.
Para o operador do direito nem sempre é fácil manter o otimismo quanto à capacidade de seus legisladores. O exemplo permanente em nível federal é o das medidas provisórias. O Congresso Nacional não aprecia os pressupostos de relevância e urgência que cada medida provisória deve satisfazer, mas faz pior ainda: não regula os efeitos das não aprovadas em 30 dias, frustrando seu dever constitucional, num caso gravíssimo de deliberado e constante descumprimento de sua missão.
Tomo o exemplo das falhas na Lei do Concubinato, mencionadas em coluna anterior. Espalharão seus efeitos durante decênios. Nem assim, porém, reforçam, na consciência dos legisladores, a imperativa necessidade de melhorarem sua produção, embora seja principalmente para esse trabalho que são eleitos e pagos.

Texto Anterior: O mundo contemporâneo
Próximo Texto: Governo diverge sobre emenda do 1º grau
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.