São Paulo, terça-feira, 17 de setembro de 1996
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O FGTS e a grande virada

LUÍS NASSIF

O ministro do Planejamento, Antonio Kandir, iniciou consultas visando fechar a proposta de privatização com fundos sociais.
A idéia básica consiste em o governo federal reconhecer sua dívida para com o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS). Depois, quitá-la com certificados de privatização -papéis que permitirão a participação nos leilões de privatização.
A opção pelo papel será voluntária. O trabalhador que quiser transforma seu saldo, ou parte dele, nesses certificados, e transfere para fundos de privatização, especialmente constituídos para administrar esses recursos.
Será uma aplicação de risco. Poderá render menos ou mais que o FGTS tradicional -que paga míseros TR mais 3% ao ano. Se bem administrado, levando-se em conta o histórico das privatizações, os ganhos dos novos fundos deverão ser consideráveis.
Há série de cuidados a se tomar nesse lançamento. O pagamento de uma dívida social é matéria política da maior importância, algo do qual nunca se ouviu falar em toda a história do país. E o estoque de estatais extremamente relevante, por se constituir em um dos últimos ativos do governo -o outro, são as concessões.
Por isso mesmo, não se pode conferir a esse passo mero tratamento burocrático. Deve ser precedido do ritual necessário, de modo a se transformar em um divisor de águas na maneira do Estado se relacionar com a sociedade civil.
De seu lado, os trabalhadores têm de ser conscientizados de que sua aposentadoria não estará mais ameaçada por crises da Previdência Social, déficits públicos ou manipulações de rendimentos. Dependerá unicamente de sua capacidade de escolher bons administradores para suas cotas, e saber como fiscalizá-los corretamente.
Nova cultura
O episódio será fundamental para acelerar os hábitos de cada pessoa formar poupança para se garantir na velhice.
Para tanto, há que se ter os seguintes cuidados:
1) Não se pode permitir a compra individual das ações, nem abrir a possibilidade das ações serem vendidas de imediato.
A compra de ações demanda análises técnicas consideráveis. Se se abrir a possibilidade das ações serem vendidas individualmente, não se criará o hábito da poupança, e ainda se exporá os trabalhadores à ação de aventureiros. Essas ações deverão ser depositadas em fundos especialmente constituídos, e administrados de forma técnica, sujeitos à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central (BC).
2) Os novos fundos devem ser de aposentadoria complementar, para sedimentar o hábito da poupança de longo prazo.
O ideal seria cumular esses depósitos de benefícios fiscais, em troca da obrigatoriedade dos saldos serem mantidos incólumes até a aposentadoria do trabalhador. E o próprio presidente da República precisa chamar a si a responsabilidade de levantar a bandeira do capitalismo social -representado pelo hábito da poupança e pela constituição de fundos democratizando o capital das empresas.
3) Devem ser dados aos trabalhadores instrumentos claros de fiscalização dos investimentos, assim como a opção de trocar de fundo.
4) O sistema de informações deverá ser o mais transparente possível. Devem ser criados indicadores de risco e obrigar-se à plena informação sobre a composição das carteiras.
Além disso, deverá ser assegurada a portabilidade das cotas -a possibilidade do trabalhador transferir sua reserva matemática para outro fundo, desde que mantido o prazo de carência. Para tanto, CVM e BC devem acelerar as mudanças na Lei das Sociedades Anônimas e nos sistemas de balanços, a fim de conferir segurança, transparência e punição aos atos dos administradores.
Se bem feito, poderá ser o mais importante passo para a implantação do moderno capitalismo social no Brasil.

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