São Paulo, terça-feira, 17 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Três séculos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A decadência da esquerda brasileira, analisada ontem pela Folha, foi bastante explícita ao concentrar nas lideranças ditas históricas o vinagre que não somente a amargura como a imobiliza. Arraes, Brizola e Lula, por isso ou aquilo, formam esquematicamente o rosto dessa facção hoje marginalizada.
No início dos anos 60, quando as esquerdas (eram tantas e tais que mereciam o plural) se assanhavam e já se consideravam no poder, fiz a proeza de irritá-las em dois modestos lances pessoais. Assinando coluna no "Correio da Manhã", declarei que tinha achado "Vidas Secas" um saco. O clássico do cinema engajado -obra de um cineasta que muito admiro-, apesar da excelente fotografia, fez com que retirasse meu time de campo aos 20 minutos do primeiro tempo.
O que recebi de insultos não foi mole. Fui acusado até de receber dinheiro de Washington, via Motion Pictures. Pouco depois, nos meses que antecederam o movimento militar de 64, defini o esquerdista da época como o bom sujeito que esperava o vento da história para ser adido cultural na Europa e funcionário da Petrobrás.
Bem, a partir do dia 2 de abril daquele ano me senti obrigado a defender aquela cambada que no fundo eu desprezava. Coisas da vida e de um temperamento pessoal que até hoje não entendo direito. Trinta e dois anos depois, sem necessidade de armas e golpes, o neoliberalismo encosta novamente a esquerda na parede. Mais uma vez, a pressa pelo poder foi fatal.
O primeiro grande movimento esquerdista na história foi o cristianismo. Levou três séculos para chegar lá -e quando chegou já não era tão esquerdista assim. Renan e Gibbon garantem que o melhor período da humanidade foi esse tempo de cristianismo sem poder. Citam os antoninos nominalmente.
Arraes e Brizola não podem esperar três séculos. Lula talvez possa. Deixo-lhe a sugestão.

Texto Anterior: A estratégia do PMDB
Próximo Texto: Duas leituras
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.