São Paulo, terça-feira, 17 de setembro de 1996
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Duas leituras

ANDRÉ LARA RESENDE

Fernando Henrique Cardoso disse na semana passada que a inflação é página virada. É chegada a hora da retomada do crescimento, continuou o presidente, com certeza embalado pelos números do primeiro mês em que a grande maioria dos índices indicou nenhum aumento ou até mesmo queda dos preços.
Não se deve cantar vitória antes do tempo, mas a verdade é que pouco mais de dois anos após a entrada em circulação do real, sem congelamento ou qualquer tipo de controle, um mês de inflação zero é um resultado significativo. O quadro hoje é, sem sombra de dúvida, outro.
Quanto à afirmação de que é hora da retomada do crescimento, existem duas leituras possíveis. A primeira é que o presidente subscreve a tese de que a busca da estabilidade monetária é incompatível com o crescimento.
Diante dos índices favoráveis, seria hora de mudar o rumo da política econômica e retomar os investimentos públicos indutores do crescimento.
A segunda é que, ciente de que a estabilidade monetária é condição para a retomada do crescimento, o presidente estaria apenas manifestando sua convicção de que, domada a inflação, o crescimento sustentado virá.
Basta persistir na busca do equilíbrio das contas públicas e no avanço da abertura comercial que, a partir de agora, os resultados virão também em termos de crescimento.
Infelizmente, a visão de que existe antagonismo entre a busca da estabilidade monetária e do equilíbrio das contas públicas e a retomada do crescimento é ainda esmagadoramente majoritária.
Muitos anos depois de sua exaustão, o projeto desenvolvimentista baseado nos investimentos públicos e nas barreiras alfandegárias indutivas da substituição de importações mantém-se profundamente arraigado na imaginação política nacional. É, portanto, natural encontrar no governo focos de expressão do ideário dos anos 50.
Gustavo Franco, diretor do Banco Central, é hoje no governo o mais articulado e aguerrido defensor de uma proposta alternativa. Em artigo polêmico ainda não publicado, afirma que à medida que os fundamentos fiscais e monetários se consolidam, a agenda da estabilização se confunde com a agenda do desenvolvimento. Essa agenda tem, entretanto, contornos muito diversos dos do passado recente.
O aumento da produtividade do trabalho é a chave do crescimento com a simultânea redução da pobreza e da concentração de renda. As grandes obras públicas que pautaram a política econômica até 1990 nos levaram à beira da hiperinflação. O protecionismo substituidor de importações se tornara anacrônico. Ao insistir no modelo esgotado, ficamos à margem do boom do comércio internacional das últimas duas décadas.
Os investimentos diretos buscaram novos rumos. O ideal autárquico interrompeu o crescimento da produtividade, nos levou à estagnação e, ao contrário do que pretendiam seus defensores, aumentou nossa vulnerabilidade aos choques externos.
Esperemos que a inflação seja realmente página virada. É hora de retomar o crescimento, não há mais tempo a perder. O caminho é a educação, a consolidação do equilíbrio das contas públicas, a abertura comercial e, sobretudo, nos livrarmos dos fantasmas de teses anacrônicas.

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