São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996 |
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Culinária unificou Oriente Médio
CLAUDIA RODEN
Embora houvesse especialidades locais e pratos regionais diferentes de todos os outros, muitos reapareciam em diferentes países como variações sobre um tema comum. A unidade culinária do Oriente Médio resulta de sua história e das influências unificadoras dos impérios que se estenderam nesta região desde tempos remotos. A origem dos pratos mais refinados do mundo árabe pode ter surgido na Pérsia do século 7, quando, sob o reino de Khusrow 2º, os generais persas derrotaram Bizâncio e conquistaram Antioquia, Damasco, Jerusalém e Alexandria. Em seu livro "Le Iran Sous les Sassanides" (O Irã Sob os Sassânidas), Arthur Christensen registra alguns dos pratos que figuravam nos fantásticos banquetes relatados nas lendas persas -e que ainda figuram no menu árabe: folhas de uvas recheadas, frango marinado com purê doce de tâmaras, pastéis de amêndoa. A expansão do Islã foi o fator mais importante na criação de uma cozinha de estilo "médio-oriental". Quando os árabes beduínos saíram da península arábica depois da morte de Maomé, no ano 632, e se expandiram pelo Oriente Médio e Mediterrâneo, agregando países que se estendiam da península Ibérica e das costas do oceano Atlântico até as fronteiras da Índia e da China, a região inteira foi, até certo ponto, homogeneizada por uma religião, língua e cultura que absorveram os vários elementos presentes na região. O império gerou oportunidades comerciais e intercâmbios culturais entre suas regiões. Disseminou-se o cultivo de produtos como arroz e berinjelas da Índia, melões do Egito, figos de Constantinopla, romãs da Pérsia e melancias da África. O comércio era intenso. Os alimentos eram levados de uma parte a outra do império por meio de transporte em grande escala. Houve migrações maciças dentro do império, e os imigrantes levaram sua culinária própria a seus novos habitats. Nos primórdios do império, quando a capital era Damasco, os gostos e o estilo de vida austero dos guerreiros beduínos, instaurados como classe governante, colidiram com o hedonismo de seus conquistados. A dieta beduína consistia basicamente de pão, tâmaras e carne de carneiro, com um pouco de carne de cabra e de camelo e o leite desses animais. Enquanto isso, as comunidades locais consumiam chicória, beterraba, abobrinha, vagens, romãs, além de trigo e cevada. Com o passar dos anos, à medida que as nações dominadas foram ascendendo, também foram trazendo sua própria herança culinária à nova sociedade cosmopolita islâmica. O regime abácida mostrou a ascendência persa no mundo islâmico. Seduzidos pelo brilho aristocrático dos persas que haviam conquistado, os árabes adotaram seus pratos, juntamente com suas tradições de cavalheirismo e bom viver. Bagdá tornou-se sede do califado abácida em 762 e continuou sendo capital política e cultural do império islâmico até o século 11. Era o grande centro do comércio internacional, das artes e das ciências, atraindo pessoas de todo o império. Sob o reinado de Harun al Rashid (786-809), a culinária atingiu um nível esplendoroso. A cozinha é um dos aspectos da sociedade abácida que sobreviveu, estendendo sua influência aos grandes centros do império, particularmente ao norte da África e à Espanha. O livro de receitas "Kitab al Tabikh", escrito no século 13 por Mohammed ibn al Hassan ibn Muhammad ibn al-Karim al Katib, de Bagdá, nos dá uma idéia de como era essa cozinha principesca. Prepara-se legumes e tortinhas recheados, pacotinhos elegantes embalados em folhas ou pastéis, banha-se doces em melado, em técnicas já familiares a qualquer pessoa que conheça o Oriente Médio. O próximo império a assumir o manto das tradições culinárias foi o Império Otomano, no século 14. Os otomanos eram pouco sofisticados em relação à comida, mas, à medida que o império crescia, as cortes do Sultão se celebrizavam por seu luxo e devoção aos prazeres da mesa, não demorando a revestir-se de todo o brilho e glamour dos banquetes abácidas. Um estilo rico e refinado de cozinha surgiu no palácio Topkapi, em Istambul, desenvolvido a partir da amálgama de tradições dos territórios conquistados e das influências chinesas e mongóis, sem falar nas persas, árabes e gregas. As normas rígidas adotadas no palácio Topkapi para que os "chefs" pudessem treinar os aprendizes formaram a base da cozinha otomana clássica que acabou se espalhando do Danúbio até a ponta da península arábica, dos Bálcãs até as costas do norte da África. Essa cozinha foi levada para a Bulgária, Romênia, Sérvia, Iugoslávia, Hungria, Grécia, Chipre e Creta, além de partes da Rússia e a maior parte do mundo árabe, por batalhões de cozinheiros que acompanhavam os exércitos conquistadores. Nessa sociedade, a comida assumia importância extraordinária. A insígnia janízara era caçarola e colher, que simbolizavam o padrão de vida superior aos das outras tropas. Embora o Império Otomano fosse a influência mais importante sobre a cozinha da região, haviam outras. Quando os mouros deixaram a Espanha no final do século 15 levaram pratos andaluzes para o norte da África. Mas a maior transformação na culinária do Oriente Médio aconteceu após a descoberta do "Novo Mundo" por Cristóvão Colombo e Vasco da Gama, com a vinda, das Américas, de ingredientes como tomates, pimentões, milho, abóboras, batatas e batatas-doces. Pouco a pouco, por meio da rede comercial otomana, os novos legumes foram introduzidos nos vários países: tomates e pimentões chegavam recheados de carne e arroz, vagens e quiabos eram cozidos com cebola frita e tomates, abóboras eram usadas para fazer doce -todos rapidamente integrados à identidade culinária do Oriente Médio. Tradução Clara Allain Texto Anterior: México saboreia de "jumiles" a gafanhotos Próximo Texto: Tabus foram convertidos em fobias alimentares Índice |
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