São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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Israel tem cozinha chinesa 'kasher'

NIRA ROUSSO
DO "WORLD MEDIA"

Em 1980, o governo de Menahem Begin concedeu asilo político a um pequeno grupo de refugiados vietnamitas.
Mas quando o fez, não previu que cerca de dez anos depois israelenses estariam contratando firmas chinesas para servir "dim sum" (prato chinês à base de pedaços de carne ou legumes empanados e fritos ou cozidos no vapor) em "bar mitzvás", nem que os tradicionais jantares do sabá judeu viriam a incluir carne vietnamita com berinjela caramelizada.
Foi a família Tran, parte do grupo que pediu asilo, a principal responsável pela renovação do cenário dos restaurantes de Tel Aviv e de boa parte de Israel. Don Tran tinha 16 anos quando saiu de um barco vietnamita para pisar em solo israelense. Sua família era composta por seus pais e oito irmãos, dos quais nenhum tinha qualquer experiência prévia no ramo dos restaurantes.
Mas "sua falta de experiência ocultava seu potencial", diz Israel Aharoni, o proprietário de um restaurante em Tel Aviv que adotou a família Tran no início de sua estadia em Israel.
"O talento culinário da família era inato, como o samba é inato nos brasileiros."
Aharoni imediatamente sentiu a "tenacidade e inteligência" do jovem Don Tran e contratou seu pai e seu tio para trabalharem em seu restaurante chinês Yin Yang, sob a condição de que o garoto fosse incluído no "pacote".
Depois de 17 anos trabalhando juntos, os dois são inseparáveis. Hoje, controlam virtualmente todos os maiores restaurantes chineses em Israel.
A intuição de Aharoni provou ser exatíssima e, em pouco tempo, Don Tran tornou-se seu sócio. Foi Don quem transformou o Yin Yang numa franquia e quem -o detalhe mais importante de todos- trouxe a Israel a legítima cozinha chinesa.
Se hoje existe um caso de amor entre o paladar israelense e a cozinha chinesa, isso se deve em parte ao fato de que a cozinha chinesa se adapta facilmente às regras da cozinha "kasher" (de acordo com os preceitos religiosos do judaísmo).
A ausência de laticínios dos seus pratos à base de carne ou aves, o fato de os alimentos serem fritos em óleo e não manteiga e a enorme flexibilidade na escolha dos ingredientes, faz com que o israelense possa escolher o que deseja quando vai a um restaurante chinês.
O público israelense já havia sido apresentado aos restaurantes chineses no início dos anos 70, principalmente com seus molhos agridoces e pratos fritos, mas os "boat people" vietnamitas introduziram novos sabores nessa cozinha nascente: salada vietnamita com hortelã, ou o bolinho vietnamita de peixes e legumes embrulhados numa folha de arroz.
Mesmo o famoso pato de Pequim precisava da orientação de uma mão vietnamita sofisticada para poder ser encontrado de maneira regular. Para isso Tran trouxe a Israel dois "chefs" chineses especializados na arte da defumação.
Os "dim sum" e o macarrão chinês foram outras novidades que agradaram ao paladar israelense. Entre os irmãos de Tran, ainda crianças quando chegaram ao país no barco vietnamita, um é gerente do restaurante PatGuah, especializado em "dim sum", e outro dirige o Foo-Sing, um enorme restaurante chinês de fast food.
O Foo-Sing, por exemplo, veio concretizar um dos sonhos de Tran: um balcão chinês legítimo, com tigelas que se pode encher de macarrão.
Nunca se ouvira falar em restaurantes de fast food chinês em Israel, na época. Quando Tran encontrou um local suficientemente grande e apropriado para o que queria, deixou que Aharoni falasse em abrir uma rotisseria chinesa ou uma loja de artigos de cozinha chineses para depois explicar, em tom cortês porém decidido, que queria abrir um balcão de macarrão dentro da rotisseria.
"O que temos a perder?", perguntou Aharoni na época. Algumas semanas depois, multidões já batiam na porta da nova casa, que se transformou num dos grandes sucessos culinários de Tel Aviv.
Um dos motivos do sucesso dos restaurantes chineses é o jeito para os negócios que têm os vietnamitas, que se traduz numa sensibilidade em relação aos costumes vigentes no seu país adotivo, aliada a uma capacidade administrativa de primeira categoria.
"Os vietnamitas não são apenas cozinheiros natos", diz Arie Mork, outro sócio do empreendimento israelo-sino-vietnamita. "Também são gerentes que trabalham duro, eficientes e donos de um impressionante dom para os negócios."
A parceria Aharoni-Tran tem mais planos para o futuro. Depois de introduzir "dim sum" e pato de Pequim a um público novato, a dupla recentemente inaugurou uma rotisseria francesa, e agora Tran está pensando na possibilidade de combinar as cozinhas oriental e ocidental -fórmula que vem tendo muito sucesso na Europa e nos Estados Unidos.
Num país em que a Diáspora trouxe consigo uma multiplicidade de cozinhas, ninguém poderia prever que a chegada de alguns refugiados vietnamitas 16 anos atrás teria resultado tão feliz e tão próspero.

Tradução de Clara Allain

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