São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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'Tcholent' é patinho feio da cozinha israelense

NIRA ROUSSO

Quando meu marido, nascido nos EUA, viu um caldeirão fumegante de "tcholent" pela primeira vez, ficou horrorizado -e com razão. Quem olha para esse prato verá uma gororoba marrom, disforme, em meio à qual é possível entrever pedaços de batatas, carne e feijão.
O "tcholent" é feito à base de carne cozida a ponto de perder qualquer semelhança com seu estado original. Nenhum de seus ingredientes é identificável. É um prato que viola todas as regras modernas da boa nutrição e ofende uma das regras ditadas pelo gourmet francês Auguste Escoffier no século passado: "A comida deve ter sabor do que ela realmente é".
As origens desse patinho feio da cozinha israelense remontam à Europa oriental, mais especificamente à Lituânia. A etimologia do nome é duvidosa.
Segundo uma versão, seria uma distorção da palavra hebraica "she-lan", que significa "algo que descansou" ou que "dormiu" -ou seja, nesse caso, permaneceu no fogo por muito tempo. Segundo outra versão, sua origem seria o termo francês "chaud-lent", ou seja "quente e lento", referindo-se ao fato de o prato ser cozido bem devagar.
Muitos dos pratos caseiros da "cozinha judaica tradicional" surgiram a partir das restrições religiosas do judaísmo. No caso do "tcholent", era a proibição de cozinhar no sábado.
Os ingredientes eram colocados num caldeirão e levados ao fogo na sexta-feira. O caldeirão era aberto no dia seguinte, tendo ficado ao fogo por mais de 18 horas e enchido a casa com o aroma do dia de descanso.
O único pré-requisito para se comer "tcholent" é nunca comê-lo sozinho. O "tcholent" exige platéia. Em grupo, o que acaba predominando é o aroma intoxicante, garantindo que ninguém prestará atenção a sua aparência nem pensará sobre os efeitos no sistema digestivo dos comensais.

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