São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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Mercado cria fast food do gosto

GEOFF TANSEY

Ao comprar um refrigerante, um hambúrguer, sorvete ou outro alimento previamente embalado, o consumidor está na linha de frente de uma batalha global em torno do que entra em sua boca.
Os protagonistas dessa batalha são empresas que querem influenciar o consumidor com anúncios, conhecê-lo por meio de pesquisas de mercado e convencê-lo a comprar as marcas que elas produzem, em lugar das de outras companhias.
A indústria de alimentos e bebidas processados é uma das maiores do mundo, movimentando mais de US$ 1,5 trilhão por ano. A maior parcela dessa produção -cerca de US$ 800 bilhões- é dos países que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países ricos, que inclui os Estados Unidos, a União Européia e o Japão.
Segundo um estudo da própria OCDE, as cem maiores empresas sediadas na OCDE são responsáveis por cerca de um quinto da produção mundial de alimentos e bebidas processados.
Em 1988, as vendas combinadas de oito empresas européias (Unilever, Nestlé, BSN, Cadbury Schweppes, ABC, United Biscuits, Hillsdown e San W. Berisdorf) já compunham 70% desse mercado estimado em US$ 250 bilhões.
As multinacionais e os conglomerados gastam quantidades imensas de dinheiro e energia utilizando os sistemas globais de comunicação para incentivar novos hábitos alimentares que incorporem seus produtos. "Cada canto do mundo livre está crescentemente sujeito a comunicações intensas e semelhantes", diz Roberto C. Goizueta, presidente e executivo-chefe da Coca-Cola.
A publicidade da Coca-Cola certamente visa a convergência dos gostos em matéria de bens de consumo. Seu sucesso de marketing transformou-a na sexta maior empresa do mundo em termos de valor de mercado (número de ações emitidas multiplicado por preço de mercado), valendo pouco mais de US$ 90 bilhões, segundo pesquisa do "Financial Times".
Para manter as vendas de seus produtos a Coca-Cola gasta cerca de US$ 4 bilhões por ano em marketing. Em 1993, o custo dos produtos que vendia chegava a quase US$ 5,2 bilhões, mas o custo de vendê-los alcançava US$ 5,7 bilhões. A Coca-Cola faz cerca de 20 milhões de anúncios e fornece 6 milhões de equipamentos, entre os quais figuram 2 milhões de máquinas do refrigerante.
Produtos alimentícios foram responsáveis por metade do faturamento da Unilever em 1994 (US$ 45,9 bilhões) e contribuíram para pouco menos da metade das vendas operacionais da Philip Morris, US$ 65,1 bilhões. Mas quase todas as vendas da Nestlé (US$ 42,8 bilhões) foram de produtos alimentícios, fazendo dela a maior multinacional do mundo no setor.
A Nestlé vende muitos de seus produtos com seu próprio nome, mas também opera outras marcas, entre elas Nescafé, Perrier, Carnation, Chambourcy, Coffee-mate, Kit Kat, Smarties, Polo, Baci, Buitoni, Crosse & Blackwell e Maggi.
Embora os nomes da Unilever e da Philip Morris não sejam muito conhecidos pelos consumidores, suas marcas o são. A Unilever é a maior produtora mundial de margarinas, com marcas como Flora, Becel, Ramae Country Crock.
As vendas anuais dessas empresas deixam para trás os PIBs (Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas pelo país) de muitos países.
Em 1994, os faturamentos da Unilever ou da Nestlé foram semelhantes aos PIBs de países como a Argélia (US$ 46,1 bilhões), Egito (US$ 40,9 bilhões) e Irlanda (US$ 48,3 bilhões).
Todas elas -ao lado de muitas outras empresas menores do setor alimentício- querem se expandir a partir dos mercados europeus ocidentais e norte-americano, em grande medida saturados, de onde se originaram. A Europa Oriental, especialmente, tem recebido muitos investimentos.
Em outras palavras, a economia mundial está se tornando cada vez mais sujeita a estratégias corporativas integradas em nível internacional. Segundo um estudo recente, um terço do produto mundial total é hoje controlado por transnacionais.
Três diretores da gigante do setor alimentício Unilever, por exemplo, determinam os rumos estratégicos de seus negócios alimentícios no mundo e os coordenam em conjunto com diretores regionais.
Mas as pessoas de diferentes partes do mundo têm gostos e culturas muito divergentes. E apesar do surgimento de marcas mundiais, o mesmo produto é modificado para atender aos gostos locais. Segundo o fabricante alemão de ingredientes dr. Rainier Wild, não existe uma receita padronizada de Fanta ou Sprite. O conteúdo de açúcar e fruta varia, assim como os aditivos. "A Fanta alemã contém suco de frutas, mas a Fanta vendida em outros países europeus, não", diz.
É relativamente fácil modificar o conteúdo de um refrigerante, mas determinados produtos são muito mais difíceis de vender no mundo inteiro. As tentativas de promover fast food à base de carne na Índia esbarram com a oposição de muitas organizações não-governamentais (ONGs) temerosas pela cultura alimentícia do país e por seu meio ambiente.
"É um conflito total com a religião hindu e envolve uma transformação total, de uma cultura baseada na proteção às vacas a uma cultura baseada no abate de vacas", diz Vandana Shiva, diretora da Fundação de Pesquisas em Ciências, Tecnologia e Políticas de Recursos Naturais e assessora da Third World Network.
Segundo relatório recente feito por analistas do mercado, as vendas de comida em barracas de rua já estão caindo em Hong Kong, na Indonésia e nos países do Sudeste asiático.
A queda se deve à legislação governamental, ao fato de os consumidores estarem adotando o fast food ocidental e às preocupações generalizadas com a higiene alimentar.
O fast food é outro mercado em franca expansão. Comer em restaurantes de fast food ocidental, especialmente nas redes que servem hambúrgueres e frango frito, é visto como "cool", especialmente entre os jovens -quase como um ato de rebeldia", diz Paul French, especialista no mercado asiático.
Mas em muitos outros países asiáticos as redes ocidentais não conseguem concorrer com redes asiáticas tais como as filipinas Mosburguer e Jollibee. O segredo destas consiste em vender produtos mais orientados ao paladar asiático, usando ambiente e formato americano. Seus produtos também são mais baratos do que os das redes ocidentais.
Mas quem imagina que as culturas locais podem superar o poderio econômico apoiado por poderosos sistemas de comunicação faria bem em refletir sobre as tremendas mudanças nos padrões alimentares testemunhadas na Europa nas últimas centenas de anos.
Muitos alimentos hoje vistos como parte normal das dietas européias -desde a batata até o chocolate- foram trazidos de outras partes do mundo, em consequência da expansão econômica.

Tradução de Clara Allain

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