São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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Política também se faz à mesa

ANTHONY ROWLEY

No dia 7 de junho de 1867 os três imperadores europeus jantaram juntos em Paris. O chanceler alemão Bismarck aproveitou a ocasião para oferecer a chave do Danúbio a seu suserano, Guilherme 1º da Prússia.
O czar russo Alexandre 2º reinava sobre um império ainda maior do que o de seu vizinho prussiano. E o próprio nome de Napoleão 3º ainda fazia a Europa inteira tremer de medo. Mas, naquela noite, os três imperadores não estavam preocupados com o destino da casa real da Áustria, nem os Bálcãs.
Suas atenções estavam centradas apenas no pato à moda de Rouen, servido com "ortolans" -um passarinho-, que o grande "chef" Dugléré havia preparado para seu deleite.
Desde os jantares principescos que faziam a fama do Palácio de Versalhes até as refeições suntuosas feitas para marcar o final das reuniões de cúpula do G-7, os banquetes se transformaram em eventos de importância maior, tanto na história culinária quanto na esfera das relações internacionais.
Desde o século 18, os franceses passaram a ser vistos como os maiores "chefs" do mundo, e Paris a ser considerada a capital gastronômica do mundo.
Com André Noil oficiando em sua cozinha em Berlim, Frederico 2º conheceu o repolho recheado à moda do Périgord.
Quanto aos irmãos Gouffé, sua fama se espalhou não apenas pela Europa -Jules trabalhou na corte de Napoleão 3º, Alphonse na corte inglesa e Hippolyte para o conde Schuvaloff, em São Petersburgo-, mas também até o Oriente.
Nasir ed-Din, o xá da Pérsia, era louco pelas costeletas de carneiro dos irmãos Gouffé, servidas com uma mistura sutil de "foie gras", trufas e cogumelos silvestres. Os irmãos Gouffé fizeram mais do que qualquer outro "chef" para perpetrar a tradição dos banquetes diplomáticos à francesa.
Seu exemplo chegou a atravessar oceanos. Em novembro de 1916, o imperador japonês Taisho encomendou um banquete "à moda de Paris" para sua coroação.
Mas, na realidade, a tradição dos banquetes de Estado remonta ao final da Idade Média. Na Europa, e especialmente na França, a função do banquete era demonstrar o poder do anfitrião. A comida não passava de pretexto. O verdadeiro papel do "chef" era fazer com que a conversa à mesa tratasse da comida. Desse modo o anfitrião era enaltecido.
Os pratos eram concebidos e apresentados de modo a realçar as ambições do anfitrião. A primeira destas era o desejo de conquista. Quando, em 1454, o duque da Borgonha, Philippe le Bon, convocou seus vassalos e aliados a Lille, na esperança de convencê-los a juntar-se a ele no ataque a Constantinopla, a pausa entre um prato e outro teve significado profundo.
Um gigante sarraceno caminhou entre os convidados puxando um elefante por uma coleira, enquanto um coro cantava o lamento da igreja cristã oriental dominada.
O Renascimento veio acompanhado de muitas cores. Até então os "chefs" se contentavam em apenas dourar ou dar uma aparência prateada aos empadões apresentados no formato de castelos.
O mais importante era a apresentação do prato. Mas, a partir do Renascimento, embora a própria comida continuasse igual a antes, as mesas viveram uma invasão de cores.
Graças à "cotignac" (marmelada) vermelha e aos verdes e amarelos de suas sobremesas, os "chefs" começaram a mostrar que eram mais do que simples artesãos.
Suas criações assumiam todas as cores da natureza. Os pintores e os "chefs" ajudaram-se mutuamente a ser vistos como artistas -com o apoio de seus empregadores, cuja fama crescia concomitantemente com a dos empregados.
Não é coincidência que as melhores sobremesas da época estejam presentes à mesa do quadro "Casamento em Canaã", de Veronese. Nem que o banquete oferecido pelo papa Leão 10º na piazza del Campidoglio, em Roma, no dia 13 de setembro de 1513, para comemorar sua posse como papa, tenha sido inspirado na "Festa de Casamento", de Botticelli.
Os "chefs" começavam a planejar seus banquetes. Para divulgar a grandeza de uma nação, adotava-se um modo institucional, como foi o caso de um banquete oferecido por um príncipe britânico, em Londres, ao czar e ao rei da Prússia.
Para comemorar a vitória dos aliados contra Napoleão, George sentou-se debaixo das luzes dos candelabros; a decoração cor de sangue refletia-se nos pratos vermelhos.
Philippe d'Orleans, na França, escolheu um tom mais amistoso. Seus banquetes diplomáticos assemelhavam-se mais a jantares íntimos. Ele chegou a pedir a Pedro, o Grande, da Rússia, que segurasse a frigideira na qual eram fritos ovos mexidos com trufas.
Mas milagres às vezes acontecem, mesmo no meio de eventos cuidadosamente planejados. Quando se pediu a Margaret Thatcher e Ronald Reagan que expressassem seus pensamentos na conclusão da cúpula do G-7 em Versalhes, em 1982, ambos tiraram conclusões de natureza culinária. Deixando a política de lado e descreveram seus pratos favoritos.

Tradução de Clara Allain

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