São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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Negócios, diplomacia e sabores

OLIVIA SNAIJE
DA COORDENAÇÃO DO "WORLD MEDIA"

Como deve agir um empresário ocidental em sua primeira visita ao Japão?
Uma empresa japonesa o convidou para um jantar formal e, sentados à mesa, seus parceiros japoneses se recusam a falar de negócios. Ele já abordou o tema várias vezes, mas os japoneses mudam de assunto. Será que o negócio deu errado antes mesmo de começar?
O empresário moderno sabe que precisa conhecer a cultura das pessoas com quem vai tratar de negócios. Muitos mal-entendidos envolvendo negócios surgem por causa de diferenças culturais, e, muitas vezes, começam à mesa do jantar.
Miles Dodd, diretor de Assuntos Asiáticos da escola francesa de administração de empresas Insead, aconselha: "Nunca fale sobre negócios num primeiro jantar formal no Japão. O objetivo do jantar é criar um relacionamento entre os futuros parceiros".
Dodd, que viveu 25 anos no sudeste asiático, traça um paralelo entre fazer negócios no Japão e os longos rituais seguidos pelos lutadores de sumô.
"Existe um preparo para criação da relação, contrastando com os americanos ou europeus que passam a maior parte do tempo no ringue", diz.
Portanto, se você quiser fazer negócios no Japão, não fale em negócios no primeiro encontro. É inútil tentar fazer pontos logo de entrada. O primeiro passo essencial é criar uma relação, pois é ela "o veículo pelo qual as transações terão de passar", nas palavras de Dodd.
Uma vez passada a primeira fase formal, tem início o passo em direção à informalidade, etapa na qual se pode comer sanduíches juntos ou fazer um jantar a dois com o contato de negócios. Segundo Dodd, é nessa fase que são transmitidas "mensagens ocultas, indiretas, que os ocidentais precisam ser capazes de perceber".
O modo japonês de agir é formal, mas pode ser decifrado quando se sabe o que esperar. Em outras partes da Ásia, entretanto, os rituais a serem seguidos são menos previsíveis.
O fato é que as refeições de negócios são um "exercício de diplomacia e estilo" em qualquer parte do mundo, e empresários tarimbados às vezes se vêem obrigados a treinar para determinados eventos.
Fazer negócios na Rússia, por exemplo, pode levar ao surgimento de situações de alto risco. O empresário norte-americano Reggie Brown, por exemplo, se considera uma pessoa de sorte porque seu estômago suporta bebida alcoólica em grande quantidade.
Na Rússia, onde é comum haver um almoço para selar um acordo, o ritual envolve os brindes, que sempre são seguidos por doses de vodca.
"Existe toda uma lógica no procedimento", ensina Browne. "O anfitrião começa erguendo sua taça e fazendo um brinde. Dez minutos depois, o lado ocidental propõe um brinde. Há uma austeridade envolvida, já que o brinde é uma declaração de sentimentos e intenções, relacionada ao porquê das partes estarem juntas."
Jean Marie Simond concorda e explica que a quantidade de vodca que se toma é proporcional às dimensões do negócio que se está fechando.
"É indispensável ser capaz de beber muito; se você cair duro depois do quinto brinde, seu comportamento será visto como vergonhoso", diz Simond.
Diversas livrarias, hoje, contêm uma quantidade impressionante de livros sobre o assunto, desde guias de "comportamento internacional" até estudos acadêmicos com títulos como "A Compreensão das Culturas Globais".
O livro "Do's and Taboos Around the World", de Roger Axtell, um guia sobre o que fazer e o que não fazer no mundo inteiro, já se encontra na terceira edição.
Dá conselhos para quem vai a jantares de negócios na China, como por exemplo: "Deve-se comer bem, mas o penúltimo prato colocado muitas vezes é arroz puro. Comer esse arroz significa que você ainda está com fome e é um insulto".
Axtell aconselha os empresários em viagem à China a engolirem qualquer coisa que lhes seja servida, quer seja carne de gorila, olhos de carneiros ou sopa de pata de urso. "Aceitar o que é posto em seu prato representa aceitar seu anfitrião, a empresa e o país dele. Uma boa dica é cortar o alimento em fatias muito finas. Assim você reduz o impacto da textura do alimento e de sua origem."
Mas para fazer negócios no mundo árabe é preciso seguir outro tipo de treinamento. Os árabes são conhecidos pela hospitalidade e pelos banquetes monumentais, e, se o convidado não ingerir quantidades enormes de comida, acompanhando seu anfitrião árabe, isso será visto como insulto.
Os EUA talvez ocupam o extremo oposto do espectro "coma e divirta-se", e a Europa, algum ponto intermediário.
Embora na Europa Ocidental os negócios geralmente sejam discutidos à mesa, a refeição em si é mais importante do que nos EUA -na França, muitas vezes, quanto mais longa e farta a refeição, melhor o resultado.
Na Itália, a refeição não precisa ocorrer em um restaurante elegante, mas o clima de alegria e bem-estar é muito importante, e o anfitrião fará o possível para assegurar que o visitante tenha tudo que deseja.
Nos Estados Unidos, vai-se diretamente ao assunto -o objetivo da refeição é tratar de negócios e mostrar que se ocupa uma posição de força.
Embora os almoços de negócios em Hollywood costumem ser mais elegantes, eles são um paradigma dos EUA na medida em que tudo não passa de um vetor para se fechar negócios.
John Guthrie, um produtor de cinema americano que vive em Paris, descreve três tipos de almoços em Hollywood. O almoço "realmente sério", realizado "num lugar da moda, mas em um recinto mais ou menos fechado".
O almoço "discreto, porém hard-core", geralmente promovido para tratar de uma questão delicada e que tem lugar no escritório do produtor.
O terceiro é o "brunch" de domingo em Malibu, mais à vontade e que tem lugar na casa de um dos participantes. "Sua função é dizer a você que a vida não é feita só de negócios, e, ao mesmo tempo, garantir que os negócios continuem sendo feitos em ritmo frenético", diz.

Tradução de Clara Allain

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