São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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Selvageria

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Desde que entrou na moda, cheirava mal a expressão "flexibilização do mercado de trabalho". Na Europa, era apenas o codinome para a desmontagem do Estado de Bem-Estar Social, a menos imperfeita das construções institucionais do homem.
Na América Latina, a Argentina acaba de mostrar o que a expressão significa, na prática, com a proposta de flexibilizar os salários. Flexibilizar, aliás, é uma tremenda burla. Como ninguém teria a coragem de propor a redução de salários, pura e simplesmente, usa-se um eufemismo.
A flexibilização é só para baixo. Quando as empresas estiverem mal das pernas, têm o direito de reduzir os salários. Mas, quando nadarem em lucros, não precisam dividi-lo com seus trabalhadores.
O pior é que, já, já, os especialistas de plantão no Brasil sairão em defesa da tese, esgrimindo argumentos pseudo-científicos, equações maravilhosas, o diabo, para provar que a inflexibilidade da legislação trabalhista é que impede contratação de mão-de-obra.
Mentira. As empresas argentinas não contratam porque a economia anda em estado catatônico, provocado, em grande parte, pela camisa-de-força do câmbio fixo. Que, por sua vez, transformou o país em empório importador. E quem importa emprega menos do que quem fabrica localmente, como é óbvio.
Como o governo não pode mexer no câmbio, sob pena de enterrar de vez o país, propõe mexer nos salários, o elo fraco da cadeia. É sempre assim, faz séculos.
Mas nem a ditadura militar do período 76/83, a mais selvagem da história argentina, teve a cara-de-pau de ir tão longe quanto o líder de um partido que se diz "justicialista".
Honestamente, de vez em quando me bate uma saudade danada dos "Montoneros", o alucinado grupo guerrilheiro que a ditadura destruiu. A selvageria da direita bem que merece a selvageria dessa esquerda. Difícil é dizer qual é mais predatória.

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