São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 1996
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O rock e a cabra

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Até domingo passado, eu me considerava um inimigo do rock. Se dependesse de mim, ele não existiria nem mesmo como hipótese musical. Mas tudo é possível -segundo as comadres machadianas. Deu-se que organizaram um comício por candidatos aqui na Lagoa, apresentaram-se grupos de rock, não adiantou fechar as janelas.
Por definição, por necessidade de atordoar, o rock é barulhento. Sua agressividade não é como na ópera ou na sinfonia, que comportam trechos estridentes, mas compensados por momentos suaves -como pede a essência de qualquer linguagem, principalmente a musical.
A primeira idéia foi radical: me atirar pelas ditas janelas, encerrando de forma inglória uma existência afim. Depois achei que não valia a pena me imolar por tão pouco e lembrei a história da cabra -uma história sovada que integra o anedotário judaico.
Jacó foi ao rabino queixar-se de seu lar, de sua família, uma bagunça, tudo fora do lugar. O rabino aconselhou Jacó a levar uma cabra para dentro de casa. Dois dias depois, Jacó voltou ao rabino, a cabra quebrara tudo, sujara tudo, a vida estava insuportável.
O rabino insistiu: que Jacó ficasse um mês com a cabra. Passados 30 dias, Jacó foi autorizado a se livrar da cabra. E que maravilha ficara a sua casa: era a mesma sujeira, a mesma bagunça, mas sem a cabra tudo era lucro.
Foi por aí minha reconciliação com o rock. Não sei se, na anedota judaica, Jacó ficou admirador das cabras. Se eu fosse ele, ficava. Como fiquei devendo ao rock uma nova visão do mundo, uma "weltanschauung". Para falar a verdade, estava meio aporrinhado no domingo, o rock só piorou a coisa.
Quando fiquei livre dele, voltei a olhar a lagoa com admiração e carinho. E vi como a vida é bela, os sinos bimbalham, o sol brilha e os pássaros cantam -embora já fosse noite e os pássaros, mais sábios do que eu, já tivessem dado o fora.

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