São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 1996
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Nova York ainda preserva suas livrarias antiquadas

Lojas computadorizadas oferecem tudo, menos os livros

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

É um alívio encontrar uma livraria antiquada em Nova York. Por antiquado quero dizer um lugar pequeno, inteligente, atencioso, ligado. Já é uma bênção livrar-se do computador que tudo sabe, desde o título, o tipo de encadernação, a editora, o assunto, o preço, o fax, o telex -e o livro mesmo, tangível, em carne e osso, ele não acha.
Rápido, começa a fornecer o endereço da distribuidora, o fax, o telex, os possíveis descontos, e o freguês sai com uma lista comprida como as de supermercado mensal, mas sem o livro.
A Kitchen Arts and Letters é especializada em comida e bebida. Sempre foi boa, mas agora está tinindo. Ficou mais madura, vigorosa, escovada, polida, bem sortida, de gerente novo, orgulhosíssimo de ter pulado dos fundos da livraria onde despachava os livros para a frente.
Nach Waxman, o dono, continua lá, cara bonita de Papai Noel, sempre ao telefone. É no telefone, principalmente, que ele se revela o grande vendedor e entendedor que é. Marion, a mulher, é toda eficiência e pequenas delicadezas. E são livreiros que sabem das coisas e quando não sabem arregalam os olhos querendo saber.
Comprei o que pude, despachei e saí correndo de volta para cá, para não perder o prazer de receber os embrulhos pelo correio, amarrados, cheios de fita crepe, promissores. Tem coisa melhor que receber embrulho de livros? Para mim não tem.
Os títulos eram muitos, mas o assunto, sempre o mesmo. O que aconteceu com a comida que até outro dia era simplesmente um alimento que satisfazia, nutria, tinha gosto bom?
Alguns livros pendem para o Bem, outros para o Mal, muitos para o equilíbrio; a maioria suspende o julgamento, reflexiva.
Nessa batalha diária entra a disciplina e o desejo, gorduras que matam, fibras que curam, todos percebem que estamos sendo mais guiados pelo medo de morrer que pelo amor à vida.
Na vontade de nos conservarmos magros, bonitos, moços, eternos, há escorregões de excessos de zelo, neurose, paranóia, culpa, bobeira. É aí que mora o perigo. Vai-se o prazer, a alegria da boa mesa e do bom vinho, e, ao atravessar a rua, sem força, desanimados, vem a vaca doida e nhoct... Não seria mais divertido, como nas touradas, morrer agarrado aos seus chifres? Tenho lido e tenho dito.

Onde encontrar - Kitchen Arts and Letters, 1435, Lexington Avenue, Nova York, 10.128, tel. 212-8765550.

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