São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 1996
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'Um Céu de Estrelas' retrata desespero

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Para assistir a "Um Céu de Estrelas", longa-metragem de estréia de Tata Amaral, esqueça o turismo, o merchandising, o mercado. Pense no cinema como um instrumento de exploração radical de realidades humanas.
Mais do que o romance de Fernando Bonassi em que se baseou, o filme é uma obra dilacerada e dilacerante.
Seu enredo é exíguo: desempregado invade a casa de ex-namorada que se prepara para ir a Miami fazer um curso de cabeleireira. Armado, ele ameaça a moça e sua mãe e é cercado pela polícia.
A ação se passa toda no interior de uma casa do bairro proletário da Mooca, no espaço de um dia. Um prólogo documental, filmado em vídeo, mostra o ambiente geográfico e social em que se inserem essa casa e essa história.
Fábricas desativadas, muros caídos, indivíduos cambaleantes: é um mundo em ruínas.
Quando o foco se fecha no drama de Dalva (Alleyona Cavalli) e Victor (Paulo Vespúcio), a idéia de ruína continua presente.
As primeiras imagens são de Dalva arrumando as malas. Há a busca de uma ordem, mas visando o exterior, o mundo que está além desse espaço claustrofóbico em que um céu de estrelas só aparece numa gravura kitsch de Natal.
Com a chegada de Victor, a casa torna-se um cubículo conflagrado e alucinado. Em poucas horas, os indivíduos que a ocupam transitam por todo o espectro do humano: comem, fazem sexo, matam.
A diretora Tata Amaral não os observa de fora, como ratinhos num laboratório: coloca sua câmera ao nível da pele dos personagens, radiografa suas entranhas.
Pois nesse processo de esfacelamento -social, psicológico, moral- de que o filme é testemunha a última fronteira é o corpo. E raros filmes, nestes tempos obscenos e hipócritas, terão revelado com tanta crueza o corpo humano em seus extremos: o sexo, a morte.
"Um Céu de Estrelas" não é um filme agradável. É uma obra de rara integridade ética e estética, em que roteiro, música, direção de arte e montagem estão afinadas para extrair o máximo daquilo que o cineasta Carlos Reichenbach chamou de "dramaturgia bárbara".
No centro dessa dramaturgia está Alleyona Cavalli, que constrói com garra, talento e coragem uma performance memorável.

Filme: Um Céu de Estrelas
Direção: Tata Amaral Elenco: Alleyona Cavalli, Paulo Vespúcio
Onde: Espaço Unibanco de Cinema (r. Augusta, 1.475/1.470, região central da cidade de São Paulo, tel. 288-6780)
Quando: às 21h30 e 23h
Quanto: R$ 5 (inteira) e R$ 2,50 (meia)

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