São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 1996
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A fronteira da inocência

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - O mundo, moderno ou antigo, jamais foi o local mais adequado para a inocência.
Mas, ao menos, preservava-se uma raça que podia exercitar a inocência sem riscos. O espécime criança, desde que não fosse maculado pelo animal adulto, sempre predatório.
Os Estados Unidos começam a derrubar até essa fronteira, se pegar a moda de punir garotos que beijem garotas ou vice-versa, como aconteceu na Carolina do Norte.
Para quem não leu: Johnathan Prevette, de seis anos, foi suspenso por uma semana pela diretoria de sua escola, pelo crime de ter sapecado um beijo no rosto de uma colega (a notícia não diz a idade da "vítima").
O perigoso Johnathan foi enquadrado pela prática de assédio sexual. Pela foto do garoto, publicada ontem nesta Folha, Johnathan corre mais risco de ser assediado do que de assediar, se é que cabe falar em assédio nessa idade.
É razoável supor que, mais do que a semana de aula que vai perder, a punição afete Johnathan por privá-lo da participação na "festa do sorvete". Trata-se de homenagem aos alunos da primeira série, como Johnathan, mas que tenham bom comportamento, o que já não é o caso do garoto, pelo menos aos olhos da diretoria da escola.
É verdade que a garotada de hoje é cada vez mais precoce. Ou, pelo menos os meus netos, Tiago, quase 4, e Natália, 2, são de uma inteligência absurdamente precoce, acha o avô.
Mesmo assim, desconfio que é altamente improvável que um menino de seis anos tenha usado o beijo como arma de assédio sexual. Ele, aliás, se defendeu dizendo que a colega pedira o beijo e ele atendeu, "numa expressão de carinho e amizade".
Claro que não conheço o Johnathan. Mas, pela idade, é mais lógico imaginar que esteja dizendo a verdade. Nesse ritmo, carinho e amizade, mesmo entre as crianças, acabarão confinados à clandestinidade e se terá derrubado a última fronteira da inocência. Azar nosso.

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