São Paulo, sábado, 28 de setembro de 1996
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Confusão no concubinato

CARLOS ALBERTO SILVEIRA LENZI

A recente lei nº 9.278/96 veio regulamentar o art. 226, par. 3º da Constituição, que reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, facilitando sua conversão em casamento. Na Carta de 1946, família era considerada somente a advinda do casamento, com base nos preceitos éticos-culturais da sociedade, com forte intervenção da igreja, tida a família como sendo uma comunidade natural, base da sociedade, recebendo especial proteção do Estado.
O concubinato, que "é a união estável, prolongada, pública, contínua e permanente de um homem e uma mulher, não ligados por vínculo matrimonial, mas convivendo como se casados, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato" (Álvaro Villaça Azevedo), já vinha sendo reconhecido como legítimo pela doutrina, jurisprudência e pela lei. Em 1942, o decreto-lei nº 4.737, permitia o reconhecimento dos filhos naturais havidos depois da dissolução do casamento pelo desquite
Em 1949, pela Lei nº 883, os casos de reconhecimento dos filhos ilegítimos foram ampliados. Legislação posterior garantia à concubina acrescer ao seu nome, o sobrenome do seu companheiro, desde que o relacionamento estável tivesse mais de cinco anos.
Tenho que o legislador de 1996 não foi feliz em trocar a expressão constitucional "união estável" por "convivência duradoura" para convalidar o concubinato, pois uma e outra "não são apenas expressões retoricamente diferentes, mas substantivos e adjetivos distintos. Mais do que essa diferença terminológica -afirma Rui Fragoso- há a ausência de conceituação sobre convivência duradoura para os fins da lei." E mais, reconhece a lei nº 9.278/96 como entidade familiar a convivência pública e contínua de homem e mulher, com o objetivo de estabelecer família, sem prazo de duração, não impondo fidelidade e, por óbvio, a união entre pessoas do mesmo sexo.
O Instituto dos Advogados de São Paulo aponta inconstitucionalidades da nova lei: criou-se uma nova entidade familiar (convivência duradoura), não prevista na lei maior; a conversão dessa nova entidade em casamento, fora do Juízo de Paz e a imposição do regime de comunhão parcial de bens, sem manifestação dos conviventes. Alega ainda a inconstitucionalidade por omissão, ao permitir a convivência duradoura na relação incestuosa ou adulterina. O articulista desta Folha Walter Ceneviva também argúi a inconstitucionalidade do art. 8º (a conversão por requerimento ao Oficial do Registro Civil), e a confrontação do art. 2º, com o disposto no art. 231 do Código Civil, que inclui entre os deveres dos cônjuges, o de manter vida comum no lar e fidelidade recíproca.
Julgando casos concretos, os tribunais do país estão fixando jurisprudência, quanto ao tempo de convivência duradoura, entre dois e cinco anos. O TJ de Santa Catarina não está admitindo o reconhecimento da relação aberta como entidade familiar, e até o TSE não considerou um concubino convivendo há 12 anos com a irmã da prefeita do município de Piranhas (AL), com dois filhos registrados, inelegível, alegando que a Constituição não pode ser interpretada a partir de lei ordinária, a do concubinato.
A confusão está estabelecida. Cabe às autoridades desfazê-la, consolidando a matéria de maneira coerente, como sugeriu o mestre Silvio Rodrigues na Folha.

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