São Paulo, sábado, 28 de setembro de 1996
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A obsessão é da arte da ciência

TADEU JUNGLE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sobre qualidade, tendências e leituras dessa mostra "Antarctica Artes com a Folha", meus colegas curadores já escreveram com mais propriedade do que eu poderia.
Como um artista multimeios, já entrei e saí de vários papéis, mas sempre do lado de lá. Dos artistas. Faço aqui o mesmo. Vou tentar montar uma imagem do que eu ViV! nestes meses de tato/contato com os artistas e os curadores, procurando apresentar um outro panaroma (sic).
Procurei um retrato, um espelho rabiscado por palavras-chave. Objetivos boiando num lago de subjetividade. Uma moldura de carne e o$$o para a Expo. O estético, o estatístico e o financeiro: limites e relações a refletir.
Distâncias e Desejos. A poesia próxima da prosa. A idéia é substituir a tentação das palavras críticas pela tentação das palavras poéticas.
Cena 1 - Cidade do Norte - Galeria do Sesc - o artista.
O rapaz está montando a sua exposição sozinho e no muque. Eu pergunto se ele pode me mostrar um trabalho mais antigo. Ele diz que sim, mas que hoje tava difícil pois ele não tinha dinheiro pro ônibus pra ir buscá-los na casa da tia que era em outro bairro.
Cena 2 - Cidade Nordestina - noite - 30ºC - a família.
Uma casa/barraco periferia braba. Um garoto de 13 ou 14 anos é o artista visitado. Ele pintava com as sobras das tintas da mãe, louca pinéu, que ganhava as ditas tintas no programa de arte-terapia de uma instituição psiquiátrica.
Ele participou até de mostras locais. O governo mudou, o programa e as tintas acabaram. Bem, nem todas. Ele guardou algumas e hoje, mais de dois anos depois, ele pinta grandes retratos de Schwarzenegger e outros ídolos na parede da própria casa.
"A palavra é o único signo que pode ser exteriorizado por qualquer indivíduo que tenha pulmões e cordas vocais, já que a produção dos demais sistemas de signos pressupõe a propriedade privada dos meios de produção (as tintas, o pincel, o instrumento musical, a câmera fotográfica", disse Arlindo Machado.
Desenho, Pintura, Medicina, Vídeo, Performance, Terapia, Psicologia, Poesia, Gravura, Decoração, Fotografia, Declaração de Amor, Instalações, Música. Nada cabe muito certo em lugar nenhum. O suporte e a técnica, a arte e a ciência me parecem de tal forma questionados, que o pós-tudo parece querer ser "aqui, agora e tudo", como realçou o mestre Joãosinho Trinta.
Final de século? De outro lado, no meio deste mix, esta expo tem entre seus traços marcantes o primor técnico dialogando com o vigor espontâneo das obras. Os artistas me parecem conscientes do refinamento técnico potencializando o lado primal e caótico da criação artística. A obsessão é da arte e da ciência.
Parece que esta juventude superou o que o mestre Abujamra cha mava de "o trauma da liberdade". É uma das partes da arte que temos. Uma parte boa. O Brasil barroco, exuberante, maluco, do lado de lá, ainda está por vir. A Ser.

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