São Paulo, sexta-feira, 3 de janeiro de 1997
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Duas velhas obsessões

CELSO PINTO

O governo Fernando Henrique Cardoso começa seu terceiro ano com duas obsessões antigas: livrar-se da "ditadura dos três quintos" de votos necessários no Congresso para aprovar reformas constitucionais e montar um ministério que aumente a eficiência administrativa do governo.
O presidente tem uma relação curiosa com o Congresso. Ao mesmo tempo em que costuma lembrar que presidentes que bateram na mesa, como Jânio Quadros e Fernando Collor, acabaram perdendo o poder, não esconde sua impaciência com a lentidão e o alto custo envolvido na sua própria negociação com o Congresso.
Seu lado negociador costuma enaltecer a virtude de saber conduzir, com a paciência requerida pela democracia, um processo tão amplo de mudanças. Seu lado impaciente se revela nas reiteradas tentativas de livrar-se da camisa-de-força das alianças políticas necessárias para a aprovação das reformas constitucionais.
Quando o prestígio externo do Plano Real começou a claudicar, em meados do ano passado, o presidente decidiu partir para a briga. Resolveu fazer um "mutirão" no Congresso, para aprovar o que fosse possível das famosas três reformas estruturais -a administrativa, a previdenciária e a fiscal. Desse no que desse, dizia o Planalto na época, em setembro o governo declararia sua independência em relação à ditadura dos três quintos, faria uma ampla reforma ministerial e começaria a governar buscando apenas objetivos administrativos.
Não conseguiu nem uma coisa, nem outra. A idéia em si da busca de mais eficiência administrativa é uma curiosa autocrítica. Ela supõe que o preço das alianças foi a redução na eficiência. Como se o presidente estivesse amarrado a um ministério imposto por seus aliados, ou como se o modelo administrativo de seu governo tivesse sido afetado pelas alianças políticas.
Olhando a eterna lista de ministros que o presidente gostaria de trocar em seus vários ensaios de mudanças de gabinete, contudo, fica difícil botar a culpa nos aliados. Simplesmente não é do estilo do presidente mandar embora auxiliares como o dr. Jatene e não porque o PPB exigisse sua presença.
Já a eficiência do modelo administrativo é alvo de velhíssimas discussões internas no governo. O presidente escolheu um ministro, Clóvis Carvalho, para centralizar a cobrança de resultados em seu governo e decidiu criar vários conselhos interministeriais para azeitar as áreas prioritárias.
Carvalho é um auxiliar aplicado, mas a máquina montada para fazer o governo funcionar não decolou. Em parte, porque ela se transformou mais num mecanismo burocrático de acompanhar ações em diversas áreas, do que em foro para decidir, rápida e eficientemente, medidas necessárias.
Como um leal membro da equipe, Carvalho acaba, frequentemente, ficando com o papel antipático de dizer a ministros o "não" que o presidente, por uma razão ou por outra, preferiu não dizer pessoalmente. Razão pela qual um ministro e um ex-ministro de FHC costumam chamá-lo, em tom acusatório, de primeiro-ministro. O que é uma ironia: o presidente jamais deixou espaço para candidatos reais a primeiro-ministro. José Serra que o diga.
O sonho do governo, mais uma vez, é decidir rapidamente a reeleição e o que der das reformas, livrar-se de algumas alianças políticas e azeitar a administração. A reeleição, contudo, é ainda mais complicada do que as reformas constitucionais, porque todos os partidos sabem que aprová-la é perder espaço de barganha junto ao presidente.
Talvez a chance mais realista que o presidente tenha tido para livrar-se da ditadura dos três quintos aconteceu no seu primeiro ano de governo. Seria ter brigado pelas reformas mais complicadas logo depois de eleito, há dois anos, usando seu cacife político máximo, e afastar-se da idéia da reeleição.
Como o presidente escolheu brigar pela reeleição no meio de seu mandato, ficou numa posição delicada. Corre o risco de adiar, mais uma vez, seus sonhos de independência.

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