São Paulo, sexta-feira, 3 de janeiro de 1997
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Anquier une passado e presente do pão francês

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na última vez que fui a Nova York parei no restaurante do Dean & Deluca, no Soho, com os netos, e pedimos sanduíches. As crianças, mais espertas, imediatamente abriram o pão e comeram o recheio. Nós, adultos, tentamos queixadas enormes de homem da pedra, machucamos os maxilares, para não fazer feio diante do "novo pão", tão moderno na sua nostalgia da crosta antiga, na sua resistência heróica à mordida.
Comecei a prestar atenção. Nos mercadinhos e butiques só havia o pão mole, insípido, indolor, ou... o quebra-dentes. De quando em quando, um português que ficava entre o mole e o duro, se fresco.
Nos bons restaurantes franceses, os pãezinhos passados pelos garçons, em cestas, tinham o aspecto daqueles duros, mas não podiam ser melhores.
Havia, então, uma esperança. Não seríamos obrigados a comer por décadas, vítimas da moda, um pão duro de roer. Aquelas pedras, aquelas rochas, que ainda encontramos muitas vezes, eram acidentes de percurso da grande reforma.
Sei que o pão francês já foi um dos melhores do mundo. Piorou. Chegou a ser terrível, sem graça, sem textura. A industrialização, a fim de reduzir o tempo da fabricação e baixar os custos, começou a usar farinhas estranhas, ácido ascórbico, tempos recordes de fermentação.
Neste processo desaprenderam os padeiros e desaprendemos nós. Desconhecendo um bom pão, não o exigimos e podemos até recusá-lo na primeira vez que o comemos, acostumados ao pão de plástico feito na fôrma.
Há pouco mais de uma dezena de anos, os padeiros franceses tomaram consciência de que estavam indo ladeira abaixo e que precisavam mudar o pão e educar o consumidor.
Impossível voltar à lenha, possível voltar ao passado sem rejeitar as técnicas modernas. E daí, com a procura da boa farinha, da boa água, do bom fermento, do trabalho honesto e árduo, o pão voltou a ser o que era dantes. Quase. E tinha que ser assim. A baguete é o logotipo da França.
Tudo isto só para falar no livro "Pães de França", de Olivier Anquier, e dizer que é esta a mudança que o padeiro Olivier procura. Quer fazer um bom pão no Brasil.
Seu livro está nas livrarias e é daqueles livros grandes, com pouco texto e muita foto, extremamente sedutor. Muito bonito, mesmo. O fotógrafo Sérgio Pagano foi mais que feliz em seu trabalho. Foto de comida é boa quando dá vontade de comer. E o livro dá uma fome terrível. Impressionante o poder das imagens, esta platitude...
O padeiro Olivier viveu sete anos num barco às margens do Sena. Precisava de mil palavras para nos transmitir isso. A foto faz com que você viva com ele aqueles anos e ainda sinta o cheiro do rio.
Nosso padeiro franco-brasileiro contou bem a sua história sem se expor em excesso. Mostrou sua mãe e inspiradora e todos ficaram com vontade de conhecer aquela figura digna e bonita. Deixou-se fotografar com outra inspiração que é o padeiro Poilâne -a cara do Dustin Hoffman e, dizem, um artista para promover o pão francês.
Bem, o Anquier lançou-se na aventura brasileira, de corpo e alma. Parece estar se formando muito bem, como empresário que tem ideais e luta por eles, "à francesa", empolgado, gesto largo, palavra indignada e pronta.
O melhor modo de se aprender a fazer o pão é ao lado de um padeiro. Na falta do padeiro, com suas receitas e pondo a mão na massa. O Anquier faz parecer que fazer pão é fácil. E é. As técnicas não são difíceis. O mais complicado é esperar o pão crescer e entender suas manias, o que só se adquire com a prática.
A última parte do livro é dedicada a sanduíches, alguns com a mão de mestre do chef Bassoleil. Deliciosos! Só com este repertório você poderia atravessar a vida, bem alimentado, contente e cantando a Marselhesa.

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