São Paulo, sexta-feira, 3 de janeiro de 1997
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Bocaiúva, Minas, encontra eternidade em "A Lista de Ailce", de Betinho

HAROLDO CERAVOLO SEREZA
DA REDAÇÃO

"A Lista de Ailce", livro de memórias do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, busca a vida em cada uma de suas pequenas 139 paginas.
Elaborada pela prima Ailce, a lista relaciona os mortos de Bocaiúva, cidade mineira em que nasceu Betinho, que ela acreditava serem conhecidos por ele.
A partir da lista, recheada com adendos do autor, nasceram pequenos necrológios, narrando a relação do autor com as personagens. E é nestes textos que a vida, ainda que sem grandes pretensões literárias, busca a eternidade.
Médicos, loucos e/ou sistemáticos, padres, protofeministas, animais, fantasmas e até o trem, que corriam o risco do esquecimento, revivem e voltam a receber o respeito devido.
Escreve Betinho: "Todas as mortes merecem primeira página". Complete-se: porque todas as pessoas também o merecem.
Apesar de fugir da tradicional militância política do sociólogo, o livro do coordenador da Campanha contra a Fome não esconde a ânsia por justiça social e a repulsa à repressão.
Um dos capítulos é dedicado aos três mendigos verdadeiros e a um falso, que a prima não havia incluído na lista.
Outro homenageia as mulheres de vanguarda de Bocaiúva. A admiração pela liberdade das irmãs Vieira e pela tia Antoninha, que colocou o marido na geladeira depois de descobrir que fora traída, não é nada pequena.
Mas há muito mais de pessoal. A mãe, a primeira noiva, ela, 19 anos, ele, cinco, Salorinda, a louca que morreu queimada, e Arnaldo (que está vivo), marido da irmã Tanda e "analista de Bagé" (Betinho achava que não poderia ter relações sexuais porque poderia ferir o pênis e sangrar até morrer; Arnaldo convenceu-o do contrário: "Vagina não é abridor de latas!").
"A Lista de Ailce", lançado de carreirinha, foi escrito no mês de novembro.
"Tive pressa para escrever o texto. Aids e medo de entrar na eternidade", escreve em ficha técnica à página 139, a última (como se, ao seu modo, Betinho e sua família já não houvessem entrado).
Depois de tantas mortes, mais uma vez, Betinho, 61 anos, responde, bem-humorado: "Madadayo!" (ainda não chegou a hora!). A citação do filme de Akira Kurosawa não poderia ser mais feliz.

Livro: "A Lista de Ailce"
Autor: Herbert de Souza
Lançamento: Companhia das Letras
Preço: R$ 12,50 (139 páginas)

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