São Paulo, sexta-feira, 3 de janeiro de 1997 |
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Um Brasil bonzinho
JOSÉ SARNEY Já estamos em 97. Estamos e não estamos. Continuamos no mesmo tempo, que é eterno. A mente humana criou os anos como uma referência para a vida e com eles fez medições do passado. Tudo isso num sistema de pensar baseado na razão.Não fomos estruturados para pensar fora da lógica, e isso nos faz manipular dúvidas que cada vez mais nos angustiam, porque não temos respostas para muitas coisas. Estamos no mundo, num tempo de travessia, e investe-se para desmontar alguns conceitos que nos pareciam definitivos: o Estado-nação, soberania, autodeterminação. A globalização, que é um processo, não é um fim, atinge em cheio esse arcabouço e, como consequência, o da igualdade das nações. O deus do mercado com seus tridentes da competição favorece e torna hegemônicos os países desenvolvidos. Essa, na verdade, é a nova ordem que surgiu depois da vitória do capitalismo sobre o comunismo. Sempre os vencedores ditaram suas regras. Assim foi em 1815, depois da derrota e do sonho de Napoleão; em 1919, no Tratado de Versalhes, aconteceu a mesma coisa; em S.Francisco e Potsdã, depois da Segunda Guerra Mundial -os aliados criaram a ONU e outros organismos multilaterais (FMI, Bird, Gatt) para estabelecer como devia se comportar o mundo. Mas, em nenhum momento as forças da história se deixaram dominar. É de sua dinâmica esquecer as razões e os desejos dos dominadores. Veja-se o exemplo da Alemanha, hoje, segunda potência mundial. A sacralização do neoliberalismo e das leis de mercado é, assim, o sempre instrumento assegurado pela força política, militar e tecnológica dos vencedores. Nele realizam seus interesses de domínios. O Brasil, que tinha uma aspiração de presença mundial, está na periferia desse processo e sendo levado à condição de satelitização. Isso é grave. Mais do que as consequências atuais desse esmagamento está a evidência de que vivemos um momento de acomodação, de aceite incondicional dessa realidade, de falta de idéias, de iniciativas e de absoluto marasmo cultural e político. Nossa presença, assim, é a de um Brasil bonzinho e submisso, que não cria problemas. Essa atitude não é uma posição de governo. É uma postura da sociedade e da inteligência do país. Estamos perdendo nossa perspectiva de grandeza. Nossas aspirações não podem se esgotar na conquista da estabilidade, da inflação baixa, do consumo de bens duráveis nacionais e estrangeiros, das bugigangas dos Tigres Asiáticos, das facilidades de viajar e correr mundo. Serão esses os valores permanentes nacionais? Há um destino nacional que transcende os bens materiais, para situar-se no terreno da história, na busca da grandeza, aquela que De Gaulle soube tão bem definir em relação à França. Em 1997 zelemos por esse legado e essa ambição. É uma reflexão para o novo ano. Texto Anterior: O espelho de Jânio Próximo Texto: CPMF, a história real Índice |
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