São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997
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Presidente biônico

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Nesses primeiros dias do ano prepara-se o retorno ao quadro constitucional vigente nos anos de autoritarismo. É o início de uma nova bionização do processo democrático.
Não é a pessoa nem os méritos de FHC que estão em questão. Ainda que ele faça chover no deserto, ainda que seja o maior estadista de todos os tempos, o isso e aquilo, não lhe é lícito cometer o crime de perjuro: depois de ter jurado um compromisso, empenhar toda a força de seu cargo e toda tinta de sua caneta para extorquir a possibilidade de outro mandato.
A questão poderia ser simples. Bastava aprovar a reeleição ou, como alternativa, prorrogar o mandato presidencial para seis anos. Mas sem personalizar, sem endereço exclusivo para beneficiar o atual mandatário. É isso o que a nação deseja. É assim que se expressa o povo que, em sua maioria, aprova a atual gestão. É triste ver o chefe da nação obrigar os dependentes do governo a legislarem em favor daquilo que o finado Jânio Quadros chamava de "apetite".
Como os homens são homens ("men are men", segundo Shakespeare) e os políticos são mais "homens" do que outros homens nesse mau sentido, parece inevitável a aprovação da emenda. Daqui a dois anos, mantida a complicada âncora cambial que sustenta o real, poderemos ter a reeleição do nosso conselheiro Acácio.
Analisado por critérios éticos, FHC revela-se pior do que Collor. Este roubou e ficou com o dinheiro para si. Pelos mesmíssimos processos do ex-presidente, FHC vai roubar outro mandato, mas terá a esperteza de distribuir parcelas do poder entre a sua tropa.
A menos que ele cometa a barbeiragem de não pagar o preço devido a algum sócio (Collor não pagou ao irmão), FHC reintroduzirá em nossa história a figura do presidente biônico. Contudo, um erro de percurso pode jogar o país novamente num mar de lama.

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