São Paulo, segunda-feira, 6 de janeiro de 1997
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País receberá até US$ 11 bi em 1997, prevê Meirelles

MILTON GAMEZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Os investimentos estrangeiros diretos no Brasil continuarão a crescer em 97 e poderão alcançar a cifra recorde de US$ 11 bilhões.
Quem prevê é o goiano Henrique de Campos Meirelles, 51, presidente mundial do BankBoston, 13º maior banco dos Estados Unidos, com ativos de US$ 60 bilhões e filiais em 25 países.
Em entrevista à Folha, Meirelles diz que os investidores internacionais estão de olho na reeleição do presidente FHC, a ser decidida neste início de ano. Se ela não passar, não será o fim do mundo, avalia: "Não acredito que isso emperraria as privatizações, as reformas. Mas haveria mais incerteza".
Eleito no final do ano o banqueiro mais influente da América Latina pela revista "Latin Trade", Meirelles é o primeiro estrangeiro a presidir um banco nos EUA.
Ele diz que o mercado externo olha com preocupação o déficit na balança comercial do país -as importações superaram as exportações em cerca de US$ 5 bilhões em 96. "Em algum momento, será necessário um ajuste", prevê. E dá duas opções: recessão ou desvalorização cambial.
Meirelles veio ao Brasil festejar o final de ano. Para ele, a crise bancária passou e o maior problema do país são os juros "altíssimos".
*
Folha - Que tal ser apontado como o banqueiro mais influente da América Latina?
Meirelles - Foi uma demonstração da importância que o mercado está dando à globalização da economia norte-americana. O BankBoston é visto como um banco aristocrático, tradicional, e minha eleição foi tida como um movimento muito importante.
Folha - Quais são seus planos?
Meirelles - O grande desafio do BankBoston vai ser se tornar uma instituição financeira global. Não sei se já há alguma no mundo.
Folha -Como o senhor vê o processo de inserção do Brasil nesse cenário globalizado?
Meirelles - Do ponto de vista não apenas financeiro, o Brasil não está aproveitando esse movimento. Somos muito derrotistas.
Folha - Por quê?
Meirelles - Porque achamos que seremos prejudicados na globalização. Nós, que somos mais fracos, seremos engolidos pelo processo. Isso não é o que acontece. O Brasil não é um doente frágil.
Os países que estão tirando mais vantagem, que estão tendo maior crescimento com a globalização, são os asiáticos, que eram até pouco tempo atrás países pobres.
No fundo, quem mais sofreu com a globalização foram os países ricos, os Estados Unidos, que tiveram de enfrentar a competição daqueles que têm mão-de-obra mais barata e usam isso como uma vantagem comparativa.
Folha - O governo está certo ao adotar medidas de salvaguardas para a indústria nacional ou deveria abrir mais a economia?
Meirelles - O importante é que se faça um movimento que tenha continuidade. A Europa estabeleceu modelos de globalização e de abertura para o mercado automobilístico. Isso foi feito em 89 e foi um plano de dez anos para ser completado em 99. Agora, o segredo é que em 99 vai estar totalmente aberto, não vai ter desculpas para protecionismos.
Folha - Na última reunião da Organização Mundial do Comércio, o Brasil ficou de fora do acordo da informática...
Meirelles - A informática deveria ser a área mais aberta de todas. É mais compreensível e aceitável proteger a indústria de brinquedos, que está na porta do consumo, do que proteger a informática, que é um bem de capital, uma ferramenta fundamental ao desenvolvimento.
Folha - O mercado financeiro do país é aberto o suficiente?
Meirelles - A possibilidade de o presidente da República autorizar a entrada de novos bancos, caso a caso, está de bom tamanho. Mas deveríamos ter um plano de abertura, que estabelecesse a competição em algum momento.
Folha - Por que o Boston desistiu do leilão do Banerj?
Meirelles - Por uma questão de concentração de mercados. O Banerj é essencialmente concentrado no Estado do Rio de Janeiro.
Folha - E qual será o próximo passo?
Folha - Vamos continuar abrindo agências. Agora, se surgir uma boa oportunidade de comprar outro banco, vamos comprar.
Folha - O pior da crise bancária já passou?
Meirelles - Sim, o sistema bancário está bem. Haverá fusões localizadas, mas o número de bancos no país não é alto.
Folha - Quais são os grandes desafios do Plano Real para 97?
Meirelles - O grande desafio é o setor externo. O déficit da balança comercial pode ser financiado? Pode. Só que isso passa por um componente cada vez mais subjetivo.
Folha - Estamos chegando a um momento crítico?
Meirelles - Ainda não.
Folha - Qual a visão que os banqueiros lá fora têm desse problema?
Meirelles - A visão que se tem é a de que haverá necessidade de algum tipo de ajuste lá na frente. Com as reservas internacionais que o Brasil tem, há ainda muita margem de manobra no curto prazo. Agora, a longo prazo, um ajuste terá de ser feito. Ou pela via argentina ou pela mexicana.
Folha - O México quebrou após um desastroso ajuste cambial. E a Argentina?
Meirelles - Eles fizeram uma recessão violenta, prolongada. Isso gerou uma inflação praticamente nula durante muito tempo e, com a inflação mundial a 4,5%, aos poucos recuperaram a produtividade. Se tiverem condições políticas de sustentar esse processo por mais três anos, saem da recessão competitivos.
Folha - A privatização vai avançar no país em 97?
Meirelles - Sim e não. O Brasil ainda pode vender as estatais e levantar recursos para reduzir o déficit público. Mas, quanto mais a gente demorar, mais a dívida pública cresce. A venda da Vale do Rio Doce é estimulante, mas tem de ser feita mais ou menos logo.
Folha - Como devem ser usados os recursos da privatização?
Meirelles - Com a atual taxa de juros, não há outro caminho a não ser usar isso para reduzir a dívida interna e, a partir daí, diminuir os juros e permitir que o setor privado faça os investimentos.
O maior problema do Brasil hoje é a taxa de juros altíssima. No momento em que se baixam os juros e o setor privado pode investir, resolve-se o problema de criação de empregos, de infra-estrutura. Com as concessões, o setor privado já pode investir em ferrovias e, no futuro, em telecomunicações.
Folha - E a reeleição?
Meirelles - Com um mandato presidencial de quatro anos, a reeleição é uma necessidade.
Folha - A reeleição do presidente FHC é uma necessidade?
Meirelles - Se aprovarmos a reeleição, não há porque impedi-lo de concorrer.
Folha - Para os banqueiros, seria melhor ter FHC ou tanto faz, o país já está na rota da globalização?
Meirelles - Depende de quem for eleito. Se for alguém comprometido com a modernidade, pode ser FHC ou outra pessoa qualquer. Se for alguém que vai tentar trazer o Brasil de novo para a década de 50, então será negativo.
Folha - O que pode acontecer com os investimentos estrangeiros e as reformas do Estado se a reeleição não passar no Congresso?
Meirelles - Se passar, vai haver um prosseguimento natural; os investidores vão continuar prestando atenção às decisões do governo.
Se não passar, vai haver maior atenção aos discursos dos outros candidatos e o fator político vai ter uma função importante. Não acredito que isso emperraria as privatizações, as reformas, mas geraria um processo maior de incerteza.
Folha - Qual é a tendência dos investimentos externos no país, que em 96 bateram recorde?
Meirelles - A tendência é aumentar. Espero entre US$ 10 bilhões e US$ 11 bilhões. O número pode variar muito conforme o processo de privatização.
Folha - Em 97, as Bolsas continuarão em ritmo de alta?
Meirelles - O ritmo vai diminuir. No Brasil, não sei, mas nos EUA, certamente. A Bolsa no Brasil é menor e depende de fatores mais pontuais.
Folha - Fale um pouco sobre sua carreira. Foi tudo planejado?
Meirelles - Não para chegar à presidência do banco. Mas, certamente, a minha carreira é muito bem concebida. Eu a planejei no sentido de abrir espaço para o crescimento do banco no Brasil. Quando eu assumi, o banco era pequeno. Eu abri espaço institucional e, ao mesmo tempo, fui ganhando mercado. Funcionou.

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