São Paulo, quarta-feira, 15 de janeiro de 1997
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Negociação com PMDB volta à estaca zero

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo terá de retomar do zero as negociações com o PMDB se quiser aprovar a emenda da reeleição no Congresso. Essa era ontem à noite a avaliação da cúpula governista sobre os desdobramentos da crise com o PMDB.
Os aliados de FHC contavam com pelo menos 70 dos 97 votos do partido na Câmara. Agora, não têm mais segurança sobre os votos dos peemedebistas.
A principal preocupação dos governistas é o fato de que alguns senadores dominam boa parcela da bancada do PMDB na Câmara.
Caso os senadores do partido continuem em conflito com o governo, dificilmente será possível votar a emenda na Câmara.
A crise entre o governo e o PMDB atingiu seu ponto máximo durante a reunião do presidente com líderes do partido no Palácio do Planalto, anteontem.
Abaixo, o roteiro da crise:
1. GOVERNADORES DO PSDB
FHC e governadores do PSDB fizeram uma avaliação da crise com o PMDB em um jantar no Palácio da Alvorada, na segunda-feira à noite. Segundo o relato do governador Marcello Alencar (RJ), FHC estava "revoltado" e "amargurado". "Eu o vi realmente revoltado por se sentir muito traído", disse o governador Marcello Alencar (RJ), um dos presentes ao jantar, no Palácio do Alvorada. A reunião dos tucanos aconteceu após a reunião de FHC com o PMDB, ocorrida na segunda-feira no Planalto.
Os governadores deixaram o Palácio às 2h30 da madrugada de terça-feira. O alvo mais notável da irritação de FHC, segundo Alencar, foi o presidente do PMDB, Paes de Andrade (CE), visto como o maior dos "traidores" na convenção do partido no último domingo.
"O Paes de Andrade foi execrado pelo presidente. Ele havia estado com Fernando Henrique antes da convenção do PMDB e garantido que não havia perigo de manifestação contrária à reeleição, fazendo mil e uma observações", disse Alencar.
Durante o jantar no Palácio da Alvorada, "frugal" (rosbife, cenoura, batata, arroz e frutas), FHC leu para os governadores -Alencar, Albano Franco (SE), Mário Covas (SP), Tasso Jereissati (CE), Almir Gabriel (PA) e Eduardo Azeredo (MG), além do ministro das Comunicações, Sérgio Motta, e do presidente do PSDB, Teotonio Vilela Filho- o documento de seis páginas em que cobra lealdade do PMDB.
No documento, FHC afirma que o PMDB deve decidir se quer apoiar o governo ou se tornar oposição. Disse ainda que ele "não pode aceitar condicionantes" enquanto presidente da República. FHC também qualificou como "inaceitável" qualquer pressão do partido.
O documento foi datilografado no computador pelo próprio presidente. Segundo assessores, ele nem chegou a arquivar o texto para evitar que ele fosse divulgado posteriormente. Teria ficado com a única cópia.
2. APUNHALADO PELAS COSTAS
O que levou FHC a sentir-se "apunhalado pelas costas", segundo Albano Franco, foi a moção aprovada na convenção do PMDB, recomendando o adiamento da votação da reeleição para depois de 15 de fevereiro.
"Em nenhum momento, nos entendimentos do presidente com o PMDB, falou-se em vincular a data da votação à eleição da Mesa da Câmara e do Senado. Daí a amargura do presidente", disse o governador de Sergipe.
Alencar disse que o presidente comentou com os convidados ao jantar o comportamento do senador Iris Rezende (PMDB-GO) durante a reunião com o PMDB, ocorrida no Palácio do Planalto.
Rezende teria dito a FHC que, apesar de favorável à reeleição, havia orientado "seu pessoal" na convenção do PMDB a votar contra. "O senador foi de uma sinceridade considerada exótica. Mas, pelo menos, foi honesto. Disse ao presidente que não queria se colocar no rol dos traidores."
Segundo Alencar, Fernando Henrique, "de certa maneira, surpreendeu o PMDB com uma nova postura de inconformismo" ao convocar os líderes do partido para a reunião no Planalto, na mesma terça-feira, cerca de quatro horas antes do jantar no Alvorada.
"O presidente manteve a cordialidade, mas tratou a todos, mesmo os mais íntimos (do PMDB), por Vossa Excelência, para mostrar seu grau de revolta. O presidente Sarney, embora a favor da reeleição, foi incorporado à crítica."
3. SENADORES DO PMDB
Se FHC não gostou do resultado da convenção do PMDB, o mesmo aconteceu com os senadores que participaram da reunião com o presidente no Planalto.
Os cinco senadores do PMDB consideraram "exagerado" o tom da cobrança de FHC. Numa reunião no apartamento do senador Ronaldo Cunha Lima (PB), José Sarney (AP), Jader Barbalho (PA), Iris Rezende (GO) e Humberto Lucena (PB) chegaram à conclusão de que não poderiam ceder tão facilmente ao governo.
"A conversa não foi agradável", resumiu o líder do PMDB no Senado, Jader Barbalho, sobre a reunião com FHC.
Os senadores decidiram, então, que a convenção do partido deveria ser respeitada. Com isso, os deputados peemedebistas que votarem a emenda da reeleição no plenário antes do dia 15 de fevereiro poderão sofrer sanções.
Após essa definição, os peemedebistas foram, então, para o hotel Bonaparte -onde se reuniriam com 19 dos 22 senadores do partido. Uma das salas de reunião do hotel já estava reservada para a comemoração do aniversário do senador José Fogaça, que completava 50 anos de idade.
Apesar das comemorações em torno do senador, a reunião foi tensa. O assunto predominante foi a reunião com FHC, relatada por Jader Barbalho.
Sarney chegou a comentar que, se o documento de seis páginas lido por FHC na reunião do Planalto fosse publicado, o rompimento do partido com o governo federal seria irreversível.
4. DEPUTADOS DO PMDB
Um dos senadores do PMDB, José Fogaça (RS), deixou a reunião por volta das 22h para se encontrar com deputados do PMDB, que estavam reunidos na casa do colega de partido Fernando Diniz (MG), no Lago Sul, bairro nobre de Brasília.
Fogaça foi argumentar sobre as hipóteses de punição em caso de desobediência às determinações da Convenção Nacional do PMDB.
Os deputados já estavam reunidos desde as 17h30. Num primeiro momento, no apartamento da deputada Maria Elvira (MG), uma das representantes do partido na comissão especial da Câmara.
O líder do PMDB na Câmara, Michel Temer (SP), e os seus vice-líderes haviam deixado a reunião com FHC no Planalto e também estavam no encontro no apartamento de Maria Elvira.
Todos ainda estavam sob o impacto das ameaças feitas por FHC. O líder Michel Temer argumentou que, se o partido deixasse de votar a emenda na comissão, no dia seguinte estaria fora do governo FHC. Disse que havia se comprometido com o presidente a iniciar a votação na comissão.
Por volta das 19h30, Temer foi ao encontro dos senadores, que não estavam dispostos a desrespeitar a decisão da convenção partidária. Voltou às 21h, com más notícias para os deputados. A pressão dos senadores era forte.
Informou que o líder do partido no Senado, Jader Barbalho (PA), queria que as bancadas na Câmara e no Senado definissem uma posição conjunta, acolhendo a recomendação da convenção.
5. LOBBY DOS SENADORES
Os senadores já estavam além disso. Haviam resolvido usar sua influência junto aos deputados do partido para impedir que a emenda da reeleição fosse votada no plenário da Câmara antes da escolha do novo presidente da Casa.
A estratégia já foi adotada ontem mesmo pelo líder do partido no Senado, Jader Barbalho (PA), e pelo candidato do PMDB à presidência do Senado, Iris Rezende.
Os senadores Humberto Lucena e Ronaldo Cunha Linha, ambos da Paraíba, também já conversaram com suas bancadas. Juntos, esses quatro senadores controlam o voto de 19 deputados federais do PMDB, segundo levantamento feito pela Folha.
A votação da emenda na comissão especial da Câmara, no entanto, não será desestimulada. Dos 30 deputados da comissão, 6 são do PMDB e os líderes da Câmara garantem que eles votarão a favor da emenda na votação que deveria ter ocorrido ontem e foi adiada para hoje.
Mas deixaram claro que a situação no plenário da Câmara -próxima etapa depois da votação na comissão especial- será diferente. Na bancada de 22 senadores peemedebistas, 7 deles controlam o voto de pelo menos 28 deputados federais.
Na prática, os senadores querem mostrar ao Palácio do Planalto que podem influenciar o voto dos deputados, aproveitando para responder as ameaças de FHC.
"O problema é não hostilizar o Palácio do Planalto. Nós queremos demonstrar nossa independência", argumentou o senador Ney Suassuna (PB), que age em sintonia com seus colegas Humberto Lucena e Cunha Lima.
Os senadores decidiram não interferir na votação na comissão especial depois de os deputados argumentarem que não poderiam deixar de votar a emenda da reeleição, pois correria o risco de perder o apoio do Palácio do Planalto à candidatura de Temer para a presidência da Câmara. "Eles não deixam de ter razão", avalia Fogaça.
6. ADIAMENTO DA VOTAÇÃO
Foi com o objetivo de tentar não melindrar o Palácio do Planalto nem os senadores do PMDB que os deputados peemedebistas conseguiram convencer os líderes governistas a adiar para hoje a votação da reeleição na comissão.
Na reunião na casa da deputada Maria Elvira, Michel Temer chegou a dizer aos seis deputados do PMDB na comissão: "Não será necessário substituir ninguém. Vamos juntos até o fim".
A deputada Maria Elvira telefonou, então, para o ministro Paulo Renato Souza (Educação) e pediu que ele conseguisse uma audiência com FHC. Foi ao Palácio da Alvorada com Natal e Aldemir, por volta das 22h.
Meia hora mais tarde, os demais deputados dirigiram-se para a casa do deputado Fernando Diniz (MG), no Lago Sul. A reunião foi ampliada. Em seguida chegou o senador José Fogaça (RS), com a posição da bancada no Senado.
Fogaça afirmou que os deputados que votassem contra a decisão da convenção poderiam ser ouvidos pelo Conselho de Ética do partido. Alguns deputados se exaltaram e interromperam o senador.
7. REAÇÃO
Moreira Franco (RJ) foi duro: "Como todo o respeito que tenho pelos senadores, não há forma de dimensionar a minha indignação diante do que estou ouvindo".
Alberto Goldmann (SP) seguiu a mesma linha: "Isso não existe sob o ponto de vista ético ou jurídico. Não dá para trabalhar com seriedade sobre o inexistente".
Já mais calmo, Eliseu Padilha (RS) colocou a posição do grupo: "Se o principal da convenção, que foi objeto de votação secreta, com credencial, era uma mera recomendação, tudo o mais, sendo secundário ou acessório, terá menor força".
A reunião prosseguiu até a 1h da madrugada. Os deputados acertaram que compareceriam à comissão. Um pequeno grupo retornou à casa de Elvira, para ter informações sobre a audiência com FHC.
8. DEPUTADA DORME
Encontraram a deputada dormindo. Aldemir, que esperava o grupo, informou que a conversa tinha sido positiva. FHC teria sido cortês e pedido o apoio do partido. Os três se convenceram de que deveriam votar na comissão, mas que seria melhor adiar a votação.
Uma nova reunião, marcada para a manhã seguinte, definiria a posição final da bancada. Realizada no gabinete de Temer, quando a comissão especial já se reunia.
Alguns deputados procuraram jogar sobre o presidente nacional do partido, deputado Paes de Andrade (CE), e sobre Marcelo Barbieri (SP) a culpa pela crise.
"Nós fomos incompetentes", gritou Ronaldo Perim (MG). Ele lembrou que, na convenção do partido no domingo, os líderes do partido foram negociar numa sala distante do plenário, deixando os trabalhos ao quescista Marbieri.

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