São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 1997
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Paulo Fortes

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Foi menino prodígio. Carioca típico de Copacabana, bisneto de Barata Ribeiro, o próprio, o que deu nome à rua. Formou-se em direito. Mal saído da adolescência cantou uma "Viúva Alegre" e nunca mais parou de cantar.
Do seu primeiro papel, o príncipe Danilo, de Lehar, ao último que encarnou no Municipal, o dantesco Gianni Schicchi, de Puccini, ele fez de tudo, dentro e fora do palco.
Trabalhamos juntos na antiga Rádio Jornal do Brasil. Ele cantava e produzia programas, o repertório tradicional dos barítonos: a cavatina do "Barbeiro", a canção do aventureiro de Carlos Gomes, o toureador da "Carmen" e as músicas populares que mais tarde seriam também gravadas por Pavarotti e Placido Domingo.
Além da voz e da técnica que aprendeu com bons mestres, aqui e na Europa, Paulo era um histrião. Disso se aproveitaria o cinema nacional -e ele topava qualquer papel. Cantou na praça Tiradentes ("Hello Dolly") quase ao mesmo tempo em que enfrentava uma das mais impenetráveis pedreiras do canto lírico, o "Coq dór", de Rimski-Korsakov.
Contracenou com os maiores nomes da lírica internacional. Durante mais de 50 anos foi nossa maior referência no gênero. Mas quando podia, e mesmo quando não podia, gostava de encarar uma seresta.
Pouco antes de morrer, Ary Barroso pediu-me para levar Paulo à sua casa, na Ladeira do Leme. Tinha uma música que somente uma grande voz poderia interpretar. Era uma canção cheia de memórias, intitulada "Largo do Boticário". Paulo topou. Nem lembro mais por que, não foi terminada. Ary já estava doente. Quem mais ficou frustrado fui eu.
Barítono quando envelhece tende a virar baixo. Paulo contrariou a regra e ficou num registro de tenor. Mais um pouco e poderia fazer o papel que mais gostaria de cantar, o Rodolfo da "La Bohème", ele que foi o admirável Marcelo que encantou duas gerações.

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