São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FHC e a macacada

FERNANDO CANZIAN

Um novo apanhado de teorias em voga atualmente nos EUA ajuda a explicar o que acontece hoje com os políticos brasileiros. Os homens no Congresso e a luta de FHC por sua reeleição seriam um rico campo de observações para os estudiosos da chamada "psicologia evolucionista".
O termo foi resumido pelo americano Robert Wright no livro "The Moral Animal", um compêndio de várias teorias, experiências e observações darwinistas. O objetivo é, mais uma vez, explicar por que somos como somos.
A teoria parte da premissa de que o homem racional, o homem moderno de hoje, evoluiu dentro de um período infinitamente mais curto se comparado aos milhões de anos que conduziram seu antepassado até a racionalidade. Na linha evolutiva, seriam milhões de anos de lutas e sacrifícios guiados pelo egoísmo dos genes para preservar sua espécie contra apenas milhares ou centenas de anos de racionalidade e conforto em termos de sobrevivência.
As lutas de nossos antepassados ainda são observadas por cientistas contemporâneos em nossos primos macacos em savanas ou cativeiros. Neles, ainda prevalece o sentimento atávico da sobrevivência da espécie; a luta encarniçada entre indivíduos para tornarem-se os "alfas", conquistando o maior número de fêmeas para espalhar seus genes e o maior poder possível.
Um estudioso no assunto, o cientista Frans de Waal, narra no livro "Chimpanzee politics" como três macacos, Yeroen, Luit e Mike, lutam pelo poder em uma ilha de 8 mil metros quadrados em um zoológico holandês. Os estratagemas e intrigas dos três símios são de uma sordidez quase humana.
Para a "psicologia evolucionista" é perfeitamente natural que o homem moderno continue vivendo e agindo como se estivesse na selva, lutando por sua sobrevivência e pelo maior naco de poder possível. Os milhões de anos que conduziram os genes de nossa espécie até aqui ainda teriam mais peso, para a maioria, do que os apenas milhares de anos de racionalidade e bom senso.
A força dos genes explicaria muitas das atitudes do gênero humano que a racionalidade ainda não conseguiu extirpar: a vileza, a sordidez e os golpes baixos visando perpetuar a espécie.
A exemplo do zoológico holandês, Brasília é hoje um rico campo de observações de como esses sentimentos enraizados no gênero humano agem. Políticos usam estratagemas, fazem alianças e traem de um modo análogo ao que Yeroen, Luit e Mike fizeram em sua luta irracional pelo poder.
Mesmo políticos que já conquistaram quase tudo na vida, até mesmo a posição de "alfa" uma vez -a Presidência, um ministério, um alto cargo-, continuam na disputa. Em muitos casos, o bom senso e a racionalidade mandariam vários desses senhores para casa ou para uma cadeira de praia cercada de netos, hobbies e livros. Mas não: os genes gritam e os mantêm na mesma luta assanhada, como se estivessem na selva há milhões de anos.
O que os "psicólogos evolucionistas" recomendam contra o grilhão dos genes é uma visão mais distanciada, bem-humorada e irônica da vida. A inexorabilidade dos genes sobre o comportamento existe; mas não deve ser levada a sério. O problema é achar tempo em meio a selvagens disputas para chegar a essa conclusão.

Texto Anterior: Paulo Fortes
Próximo Texto: Ai de ti, PMDB!
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.