São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 1997
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Ai de ti, PMDB!

ROBERTO REQUIÃO

Relatos que me passaram da reunião do presidente Fernando Henrique com a chamada "cúpula do PMDB", na segunda-feira, são estarrecedores. Do alto de sua principesca auto-suficiência, FHC deu-se o direito jupiteriano da fúria, do deboche, da exigência de vassalagem, das ameaças. Enfeixou em suas mãos raios e trovões, deixando clara sua intenção de dispará-los, punitivamente, em caso de desobediência.
E a "cúpula do PMDB", como vai reagir?
Vai usar a decisão da maioria da convenção como moeda de barganha para extorquir do príncipe mais algumas concessões ou vai respeitar a vontade das bases do partido?
Na verdade, quem decidiu, no voto, contra a malfadada tese da reeleição foi a base do partido. Foram, principalmente, os convencionais dos Estados que puxaram a decisão.
É claro, para desmoralizar a votação, o governo, os governistas do PMDB e a mídia pró-reeleição inventaram uma nunca acontecida "ressurreição quercista". Louvo aqui a atitude do deputado paulista Alberto Goldman, governista irredutível, que reduziu à sua devida importância o peso dos votos controlados pelo ex-governador na convenção: insignificantes para decidi-la.
Quer dizer: foi mesmo a base do PMDB, desvinculada da "cúpula" e desinteressada na barganha por cargos e benefícios, que manifestou seu repúdio à obsessão de FHC por mais um mandato.
Vivi a convenção intensamente. Não nas reuniões fechadas, nos conchavos, nos acertos e negociações. Vivi-a no plenário, entre os delegados, companheiros e companheiras que traziam à Brasília um sentimento diverso da fantasia planaltina. Companheiros e companheiras que não se deixaram seduzir pelas luzes e pelos encantos que o príncipe, em sua infinita insensibilidade, imagina irradiar, para cativar, hipnotizar.
Companheiros e companheiras que vivem a realidade desesperadora do desemprego (e nem por isso trocam suas posições por um cargo de ascensorista em um ministério qualquer); que repudiam a política de liquidação de fim de feira das estatais (e nem por isso defendem o corporativismo nefasto, o atraso tecnológico, o desperdício do dinheiro público); que defendem um projeto nacional de industrialização (e nem por isso formam-se ao lado dos cartórios, da reserva de mercado, que nada mais é que a reserva de privilégios feudais); que defendem um projeto consequente de reforma agrária, essencial para desmoronar as estruturas sobre as quais ainda se assenta, desde séculos, o campo brasileiro (e nem por isso deixam suas idéias serem invadidas pelo distributivismo inconsequente e aventureiro); que apóiam a estabilização (e nem por isso coonestam uma política econômica que, acima de tudo, estabiliza o abismo entre as classes, que elas continuam existindo, assim como as suas contradições, e princípios como esses não são para serem esquecidos); que apreciam um franguinho (e nem por isso conformam-se à condição de "farofeiros", sem outra dignidade distintiva que a de consumidores galináceos, mesmo porque a cada dia tomam consciência de que isso nada mais é que a sobra do banquete das elites).
Foram companheiros e companheiras assim, pensando assim, que votaram contra a reeleição.
Meu medo, meu grande medo e o temor de todos nós que vibramos o nosso voto contra aquele que se julga o "único", o "iluminado", o "eleito", é que a nossa ousadia acabe servindo como as 30 moedas da barganha.
Caso isso aconteça, o PMDB estará renunciando à sua condição de partido para transformar-se, tão-somente, em um departamento de distribuição de cargos e empregos, em despachante de pleitos menores, de nomeação de contínuos e ascensoristas ou de ministros cuja autonomia não dobra a primeira esquina.
Se a decisão da convenção não for respeitada, aplicar-se-á, implacavelmente, à "cúpula" do partido o princípio de Constâncio: "Segundo fizeres, assim te farão".
Faremos valer na próxima convenção nacional do PMDB -e para tal já estamos mobilizando os companheiros- o nosso voto, o mesmo voto que derrubou a tese da reeleição. E, dessa vez, derrubaremos os que imaginavam e pretendiam fazer da convenção de domingo passado um mero convescote homologatório do que a "cúpula" já havia acertado com o príncipe.
PMDB, o que vale? A decisão das companheiras e dos companheiros que votaram pelo rompimento do partido com o governo, para que, ao lado da oposição consequente, formemos um poderoso bloco de guerreiros por um Brasil desenvolvido, justo e igual, ou prevalecerão as barganhas?
PMDB, o que vale? Um partido forte, destemido, com um claro projeto de poder, ou a subserviência às vontades do monarca, cujo único projeto é ele mesmo?
PMDB, não basta o que a história nos ensinou, desde que perdemos o rumo da casa do povo? Desde que apostatamos dos nossos princípios? Mais uma vez vamos renunciar a história? Ai de ti, PMDB, se assim acontecer de novo. "Segundo fizeres, assim te farão". O que faremos, PMDB?

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