São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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O desconforto do príncipe nu

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Neste janeiro de muito spleen e pouco ideal, o embrulho da reeleição vai evidenciando os problemas de coordenação política do governo (com destaque para Sérgio Motta, esse tiranossauro em loja de porcelana), vai também reiterando a pastosa cultura política do país e, last, but not least, deixando o príncipe incomodamente nu.
Nu em sua saliente obsessão pelo segundo mandato, que tem levado a figura presidencial a um empenho pessoal nem sempre visto em outras questões importantes para o país.
Um empenho que, embora não registre um grande escândalo fisiológico, é construído por uma série de pequenos oportunismos, cuja soma produz a nítida sensação de que o jogo pesado é cuidadoso, mas generalizado.
Nu, também, na exiguidade do repertório político de um governo que se concentra na estabilidade da moeda e parece estar decretando, no segundo ano, seu próprio fim.
Afinal, tudo se passa como se FHC não tivesse mais projeto para a conclusão do mandato -o governo só poderia se viabilizar com mais quatro anos.
"Le Real c'est moi" -tenta convencer o presidente, num personalismo que diminui suas pretensões teóricas e reformadoras para realçar as pessoais.
Se a estabilidade depende da reeleição de FHC, como faz crer a chantagem da publicidade na TV, estamos, então, no limiar de um neo-autoritarismo que faria mais jus ao passado de um país de ditadores e pais-do-povo do que a um futuro moderno e democrático.
A reeleição, mesmo para FHC, pode ser um anseio legítimo, mas perde aos olhos da sociedade quanto mais se apresenta como ambição.
*
Confesso que simpatizo, pessoalmente, com seu jeito falastrão, suas respostas viscerais e seu perfil bizarro. Digo isso assim, "a nível de" show business...
Mas a coleção de foras na atuação política do ministro é fulgurante: criou desavença com ACM já na posse, colocou Maluf furiosamente contra o governo, chamou a OMC de imperialista, ofendeu Luiza Erundina e unificou a convenção do PMDB contra a reeleição.
Um ás ao volante.

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