São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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Esquema oferece rádios piratas a políticos

LUCAS FIGUEIREDO

LUCAS FIGUEIREDO; MÁRCIO DE MORAES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Gravação telefônica comprova envolvimento de senador e assessor do Ministério das Comunicações

A Folha desvendou um esquema responsável pela instalação de rádios FM piratas com objetivos eleitoreiros. A manobra inclui a abertura de associações comunitárias de fachada para regularizar as emissoras.
Gravações telefônicas obtidas pela reportagem comprovam o envolvimento do senador Francisco Escórcio (PFL-MA) e do delegado do Ministério das Comunicações no Maranhão, Itaqué Mendes Câmara. Nas fitas, participantes do esquema citam mais dois parlamentares que teriam conhecimento das manobras: o presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB-AP), e o deputado Sérgio Naya (PPB-MG).
A estratégia para oficializar as rádios piratas é enquadrá-las como emissoras de prestação de serviços à população. Para isso, contam com a provável aprovação pelo Congresso de um projeto de lei que cria a figura das rádios comunitárias -emissoras de FM de baixa potência destinadas a prestação de serviços de utilidade pública.
"Prazer em ajudá-lo"
Antônio Zucco Jr., presidente da Radiocom, entidade que reúne emissoras supostamente comunitárias, foi o primeiro nome que surgiu nas investigações da Folha.
A reportagem ligou para Zucco Jr. utilizando o nome fictício de Luís de Castro, que seria assessor de um deputado federal de Minas Gerais interessado em montar uma rádio comunitária para usá-la na campanha eleitoral de 1998.
"Eu teria o maior prazer em ajudá-lo", responde o presidente da Radiocom. A partir daí, Zucco Jr. fornece o roteiro do esquema:
1) montar uma associação comunitária;
2) associar-se à Radiocom;
3) colocar a emissora no ar, obedecendo parâmetros técnicos das futuras rádios comunitárias;
4) fazer um abaixo-assinado pedindo a regularização da rádio;
5) esperar a aprovação da lei das FMs comunitárias, prevista para este semestre;
6) fazer parte da ação coletiva na qual a Radiocom pretende pedir a regularização das rádios piratas associadas a ela.
Esses passos visam deixar registrado o caráter comunitário da emissora e seu pioneirismo na localidade. Isso seria garantia da regularização da FM depois de aprovado o projeto de lei que tramita no Congresso.
Zucco Jr. afirma que é garantido o funcionamento da rádio mesmo que ela seja fechada pela fiscalização do Ministério das Comunicações antes de aprovada a lei.
Nesse caso, a Radiocom forneceria "assessoria" para conseguir uma liminar que garanta o funcionamento da rádio pirata, baseado em decisão já adotada pelo Tribunal Regional Federal de São Paulo.
Sem saber que falava com um repórter, Zuco forneceu os documentos para abertura da associação comunitária de fachada, incluindo minutas de atas de fundação da entidade, estatuto e até da primeira assembléia geral para eleger e dar posse à sua diretoria.
"Benefício do povo"
Ainda utilizando o nome fictício, a reportagem pediu a Zucco Jr. nomes de pessoas que montaram rádios visando interesses políticos para averiguar o funcionamento do esquema.
"Você está querendo falar com alguém de que região do Brasil?", questiona ele, deixando transparecer que a manobra está acontecendo em todo o país.
Por intermédio de Zucco Jr., a Folha passa a conversar -mais uma vez usando nome fictício- com outro participante do esquema: José Freire Silva, conhecido como Parente.
Parente revela que ele próprio já montou quatro rádios piratas no Maranhão (Zé Doca, Parnarama, Pio 12 e São Vicente Ferrer) com a finalidade de usá-las em sua campanha a deputado federal nas próximas eleições.
"A cidade nunca tinha ouvido falar no meu nome. De repente, estou aqui do meu lado com 14.186 abaixo-assinados pedindo ao ministro das Comunicações (Sérgio Motta) que mantenha a rádio porque é para o benefício do povo", diz ele em uma das gravações.
Em seguida, revela sua estratégia: "Em 98, se eu chegar lá e disser: 'Olha, gente. Agora nós temos que trilhar para que possamos regularizar a situação da nossa emissora. Eu quero que vocês me confiem o poder de ficar lá no Congresso para lutar para melhorar essa cidade em termos de informação'. Tu acha que a galera não vai, meu irmão? Vai na hora, doutor".

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