São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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Penhorando o futuro do país

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JÚNIOR

Os déficits na balança comercial vêm chamando a atenção por mostrar que há qualquer coisa errada nessa economia que não pode crescer mais, pois, caso contrário, importaria mais e teria um déficit maior.
Os economistas do governo se desdobram em raciocínios embananados, dizendo que isso não é problema e que os déficits são financiados por empréstimos e financiamentos.
Prezado leitor: se, ao longo de três anos, um país acumular passivos externos (a soma de dívidas novas, financiamentos e vendas de propriedades) de US$ 67 bilhões a US$ 70 bilhões, a ser pago em dólares que terão que ser gerados por suas exportações futuras, não é o caso de dizer que o governo está promovendo o consumo presente à custa de penhorar o nosso futuro?
Esse é um dos aspectos centrais da discussão sobre a política de juros altos e câmbio defasado.
Tivemos um déficit em conta corrente de cerca de US$ 18 bilhões em 1995, mais cerca de US$ 23 bilhões em 1996, e se projeta um déficit de US$ 26 bilhões a US$ 29 bilhões para 1997.
Somados os déficits, em três anos o passivo externo do Brasil terá aumentado entre US$ 67 bilhões e US$ 70 bilhões.
Os serviços desses capitais, evidentemente, ficam para ser pagos amanhã...
No gráfico se mostra o preço da moeda nacional em termos de uma cesta com dez divisas estrangeiras dos nossos principais parceiros comerciais.
Quando a linha está acima de "cem", significa que o preço da moeda nacional aumentou (e, consequentemente, nossas exportações ficaram mais caras) em dólares, marcos e ienes.
Tomando-se 1992 como ano-base, a defasagem cambial, usando os preços por atacado, chega a 30%.
Se se medirem os preços pelo IPC da Fipe, e esse índice for comparado com os IPCs dos outros países, a defasagem sobe para quase 60%. A defasagem é maior se o IPC da FGV for usado, pois mede o consumo de uma faixa maior de renda.
É correto usar índices como o IPA e o IPC para fazer essas comparações. O governo alega que houve ganhos de produtividade e, dessa forma, quebrou-se a régua de medida. Faz isso para confundir, pois todo produto que apresenta ganhos sustentados de produtividade vê seu preço cair (ou então a margem de lucro na produção cresce muito).
Assim, os ganhos de produtividade são incorporados nos índices de preços, tanto no país quanto no exterior.
Outra forma de ver a defasagem é comparar o preço da moeda nacional em dólar com relação à média dos anos 70.
Nas comparações de longo prazo, recomenda-se usar IPAs ou deflatores do PIB. Usando-se IPAs, verifica-se que o preço do Real está, hoje, 55% mais caro do que nossa moeda nos anos 70 (ou, invertendo a comparação, o preço do dólar está 55% mais barato no Brasil para comprarmos de pena de ganso a apartamentos em Miami).
Conclusão (repetindo algo que já escrevi aqui): voltamos a uma política de penhorar o futuro do país. Por enquanto, não há risco de crise cambial, pois o resto do mundo está nos dando corda para nos enforcarmos. O problema virá quando puxarem a corda.

Álvaro A. Zini Jr., 43, é professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP e autor do livro "Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil", Edusp, 1993.

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