São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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Crise social abala modelo coreano

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Os "tigres asiáticos", quem diria, também enfrentam problemas graves, crises sociais e falta de consenso político. Males dos quais, para muita gente, os asiáticos jamais padeceriam.
Desde dezembro, os trabalhadores da Coréia do Sul promovem uma gigantesca greve contra modificações na lei trabalhista. Enquanto isso, a moeda está sob pressão e o país ainda sofre as consequências de uma redução na taxa de crescimento em 1996.
Na semana passada, surgiram sinais de trégua. Governo e oposição chegaram a um acordo mínimo para debater pela televisão a pauta de reformas trabalhistas que seriam necessárias para o tigre coreano continuar competindo com outras economias emergentes nas quais os salários e as condições de trabalho são piores.
O "consenso" coreano, aliás, nunca foi perfeito. A Confederação Coreana de Sindicatos (KCTU) é ilegal, embora seja tolerada. É a segunda organização sindical do país e comanda a oposição à nova lei. Seu líder, Kwon Yung-Kil, disse que aceita ir ao debate televisivo apenas se tiver garantias de que não será preso.
A trégua da semana passada, entretanto, deve criar um ambiente mais favorável às negociações. Mais de 2.000 estivadores no maior porto de contêineres do país voltaram ao trabalho.
A Hyundai, gigante do setor automobilístico, cancelou punições contra 32 mil empregados e anunciou que interrompia o locaute (paralisação patronal) para não quebrar a ampla cadeia de empresas fornecedoras com que opera.
Os trabalhadores estão voltando aos seus postos, mas a paralisação foi muito bem organizada. Na última quinta-feira, havia quase 300 mil trabalhadores parados na Coréia do Sul.
A nova legislação trabalhista, que facilita as demissões e acaba com o emprego vitalício, foi aprovada numa sessão parlamentar de 26 de dezembro passado, de madrugada, quando a oposição não estava no plenário.
Os tribunais do país já estão considerando as novas leis inconstitucionais. Mas como, por enquanto, são decisões de tribunais regionais, as empresas consideram que a batalha pela legalidade da nova legislação continua.
No início de 1997 a moeda coreana, o won, chegou à cotação mais baixa dos últimos seis anos. O desastre só não foi pior porque o banco central fez várias intervenções. Entretanto, segundo o "Emerging Markets Data Watch" do JP Morgan, a ação do governo "tende a tornar-se cada vez mais arriscada e cara, já que as reservas caíram a um nível equivalente a dois meses de importações".
As greves, naturalmente, prejudicaram a performance exportadora coreana, dificultando ainda mais a recuperação do nível de reservas internacionais. Os observadores internacionais alertam também para o enfraquecimento da Bolsa, o que descarta a alternativa de financiar o desequilíbrio com fortes entradas de recursos externos.
Assim, não é por acaso ou "ciúme" que a mídia ocidental começou a especular, há algumas semanas, com a hipótese de um "México" surgir em plena Ásia.
Há poucas semanas, a Coréia do Sul foi admitida à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sob a condição de uma ampla reforma do seu sistema financeiro.
Déficit
Pelo andar da carruagem, essa reforma (que acaba de ser reafirmada pelo governo) deverá tardar. Afinal, uma das condições colocadas pelo governo coreano para fazer a abertura de seu sistema financeiro é conseguir uma redução prévia do diferencial entre as taxas de juros internas e externas.
Mas como reduzir as taxas de juros sem fragilizar ainda mais a taxa de câmbio entre o won e o dólar?
O déficit nas contas externas da Coréia do Sul aproximou-se, no ano passado, de 5% do PIB. Há uma sabedoria convencional que fixa em 3% do PIB o limiar de segurança para esse tipo de desequilíbrio. A Coréia já está, portanto, em território considerado perigoso pelos analistas.
Para reduzir os riscos de crise externa, o governo coreano precisa reduzir a taxa de crescimento econômico. Mas foi a redução dessa taxa, no período recente, que minou as bases do "consenso coreano". E a saída anti-social está sendo rechaçada nas ruas.
O mínimo que se pode dizer é que o "tigre" está bem ferido.

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