São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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Nós não somos sabonete

GILBERTO DIMENSTEIN

Especialista em obesidade, o médico Geraldo Medeiros vê no consultório como os pacientes estão dispostos a correr o risco de contrair câncer. Apenas por vaidade.
Professor da Universidade de São Paulo, Medeiros constatou que, na luta contra a balança, mulheres e homens usam o cigarro para iludir a fome: "Já ouvi pessoas dizendo que preferem o câncer à gordura".
O consultório de Medeiros é amostra da insensatez mundial. O efeito é medido em números nos EUA. Estatísticas recentes do governo americano indicam aumento de câncer entre mulheres, coincidindo com maior consumo de cigarros.
Pesquisa da revista americana "Psychology Today", com 2.452 mulheres e 548 homens, publicada este mês, detectou insatisfação generalizada com o corpo; 89% das mulheres se sentem gordas. Muitas delas apelam para a nicotina.
Metade das mulheres e um terço dos homens não deixam de fumar com medo de ganhar peso.
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Os números ensinam que os limites entre endocrinologia e psiquiatria se confundem. Traduzindo: a obsessão com a estética está provocando desequilíbrio mental.
De acordo com a pesquisa, é crescente o número de mulheres que deixam de ter filhos preocupadas com o visual. Um terço das mulheres entrevistadas definiu a gravidez como inconveniente.
Segundo Medeiros, tamanha obsessão com o peso leva mulheres requintadas a esquecer a classe. Em recepções chiques, depois do jantar ou do almoço, dondocas curvam-se diante da privada, enfiam o dedo na garganta e vomitam.
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A pesquisa da revista americana constatou que esse tipo de comportamento é mais comum do que se imaginava. Contratou, então, um grupo de psicólogos para analisar os resultados. Espantados, eles notaram que desordem alimentar é crescente epidemia e que 13% das mulheres em dieta vomitam regularmente.
E, mesmo quando perdem peso, elas não sabem quando parar. "Muitas vezes tenho dificuldade de convencer mulheres já magras, muito magras, de que não precisam perder mais peso", diz Medeiros, ganhador, no ano passado, do Prêmio Paulo Starr, espécie de Oscar dos clínicos americanos.
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Psicólogos americanos têm visto sinais de anorexia (recusa em comer) até mesmo em meninas de 9 anos.
A inconformidade com o peso seria uma das razões para o aumento da depressão entre adolescente, levando ao suicídio.
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Está claro que a dieta se descola da busca de saúde (obesidade deve ser tratada) e passa a produzir doença.
Por trás de todo esse sofrimento está a milionária indústria da dieta (US$ 50 bilhões só nos EUA) e uma manipulação, embalada pelos meios de comunicação.
Os publicitários vendem a idéia de que sucesso, felicidade e desempenho sexual dependem não do que o indivíduo sente, fala, pensa, cria, mas de quanto pesa. Faturam com o narcisismo coletivo das sociedades de massa, no qual nos julgamos pelos olhos dos outros.
Tentam nos convencer (e conseguem) de que o indivíduo, assim como o slogan do sabonete da propaganda, vale quanto pesa; e, aí, passa a não pesar quanto vale.
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O padrão de beleza é cada vez mais perverso. O psicólogo americano David Garder estuda desordem alimentar e padrões de estética feminina comparando as mulheres nos concursos de miss e em revistas como "Playboy".
Segundo ele, de 1959 a 1979, a tirania da "beleza" feminina exige corpo cada vez mais delgado. O movimento coincide exatamente com o período de explosão dos produtos dietéticos. A cada ano exige-se mais e mais magreza. Há 40 anos, as modelos atuais seriam Olívia Palito.
Realista, Medeiros admite que "apenas um pequeno número de mulheres, mesmo fazendo regime, consegue ter esse formato. Mesmo assim, muitas insistem".
Não é à toa que, segundo a pesquisa, três em cada dez entrevistadas dizem ter ódio das modelos. Elas estão ansiosas por ver prosperar nas passarelas e propagandas profissionais com corpo de gente de verdade. Nos EUA, criaram até um movimento contra a ditadura das magricelas, o "Fat is Beautiful" ("gordo é bonito").
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Interessante: neste final de século, passar fome é sinal de riqueza e de pobreza.
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PS - O rabino Nilton Bonder, do Rio de Janeiro, lançou aqui seu livro "A Cabala do Dinheiro" e já vendeu 10 mil cópias. É um fenômeno editorial raro para um brasileiro.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail gdimen@aol.com

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