São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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Médico prevê vacina da Aids em quatro anos

COSETTE ALVES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A seguir, os principais trechos da entrevista com o médico Manuel de Jesús Limonta Vidal.

*
Folha - Dr. Limonta, a Aids tem cura?
Manuel de Jesús Limonta Vidal - Vamos vencê-la.
Folha - De onde vem essa sua certeza quase religiosa, "vamos vencê-la"?
Limonta - De estudos. Minha certeza e otimismo têm base científica.
Folha - Quais os avanços que o sr. considera significativos para vencer a Aids em Cuba?
Limonta - Neste momento a situação em Cuba é a seguinte: nós, em primeiro lugar, fazemos todo o trabalho de prevenção, que é o principal.
O conhecimento das vias de transmissão dessa doença, a educação sexual, todo um conjunto de medidas para evitar a transmissão da infecção.
Depois, temos a educação das pessoas que estão infectadas com o vírus, as chamadas soropositivas. Essa educação consiste em explicar-lhes de maneira adequada em que consiste a doença e oferecer-lhes um atendimento psicológico adequado.
Oferecemos também atendimento médico constante, ainda que não apresentem sintomas, e educação a seus familiares.
Fazemos também o acompanhamento médico das pessoas que estão infectadas sem apresentar sintomas da doença em etapa avançada. Esse acompanhamento constante inclui alguns medicamentos. Fazemos estudos em alguns grupos deles aplicando a interferona e o fator de transferência.
Temos notado que depois de dez anos de aplicação de interferona nas pessoas soropositivas o grupo que utiliza o medicamento demonstra maior resistência às doenças viróticas.
A sobrevivência nesse grupo é maior do que entre o que não recebeu o produto. Esse é um resultado que consideramos positivo.
É um tratamento caro, porque a interferona não é produzida em todos os lugares do mundo. Nós temos essa vantagem.
Com o doente utilizamos os procedimentos que se conhecem no mundo. Todo o atendimento é feito em unidades muito especializadas. E estamos mergulhados em pesquisas e estudos para a descoberta da vacina.
Folha - Qual o total de pessoas infectadas com o vírus da Aids hoje em Cuba?
Limonta - Em Cuba o total de pessoas contaminadas com o vírus estaria entre 1.000 e 1.100 pessoas, em todo o país.
É um número muito pequeno. Cuba é um país de 11 milhões de habitantes.
Folha - Em Cuba, é grande o preconceito com relação aos aidéticos?
Limonta - Falando claramente, poucas pessoas têm preconceitos. A maioria da população cubana possui alto grau de instrução, não há analfabetos, todo mundo sabe ler e escrever. A instrução diminui o preconceito.
Folha - Preservativos. Faz-se uso deles aqui?
Limonta - O preservativo é muito útil e muito importante. É um dos métodos que possuímos para evitar o contágio.
Folha - Quando e como foi seu primeiro contato com a Aids?
Limonta - Em 1981 eu estava nos EUA. Passei um tempo em algumas instituições científicas. Em 1982 ou 1983, alguns colegas do Canadá me falaram de casos infecciosos muito esquisitos, como se diz em português. Hoje acredito que eram casos de Aids.
Na primeira etapa da doença, aprende-se a diagnosticá-la. A partir do diagnóstico, pode-se ter a primeira arma de defesa, porque sabíamos quais pessoas deveriam ser colocadas em condições de contagiar as outras e instruí-las para que não o fizessem.
Depois apareceram alguns medicamentos, como o AZT, que fabricamos aqui em Cuba, que ajudam a combater a doença. Desde o início, em todo o mundo, houve interesse em fazer uma vacina.
Há também uma nova possibilidade, que são os inibidores de protease. No último congresso sobre Aids, que foi em Vancouver, no Canadá, viu-se a importância desses inibidores de protease, que combinados entre si e com AZT podem produzir também melhoras muito duradouras e mais importantes -o que não ocorria com o AZT sozinho.
É claro que os inibidores de protease não vão resolver o problema, porque a Aids é uma doença que ataca fundamentalmente as pessoas do Terceiro Mundo.
Um tratamento com inibidores de protease custa por volta de US$ 15 mil ou US$ 20 mil. Não é possível tratar com inibidor de protease tantos milhões de pessoas infectadas pelo mundo.
Folha - Dá para o sr. estimar o tempo que levará para se desenvolver e testar a vacina contra a Aids aqui em Cuba?
Limonta - Creio que existam exatamente 24 candidatas a vacina neste momento no mundo. São preparados feitos em alguns laboratórios, que já passaram por testes químicos e em pequenos animais. Brevemente chegarão às pessoas.
Desses 24 há um preparado que é cubano; há um que foi feito na Universidade de Yokohama, no Japão; há outro que foi feito pela firma Bristol Mayer, na Inglaterra; outro do Laboratório Pasteur, na França. E 20 que são dos EUA.
Existem quatro fases no estudo e possível utilização da vacina. A fase um consiste em aplicar o preparado e analisar a reação que as pessoas terão.
Nós estamos na fase dois, que consiste em estudar a resposta imunológica, ou seja, a resposta de anticorpos que poderia proteger a pessoa.
Carlos Antonio Duarte Cano, 30 anos, que faz parte de um grupo de 24 pesquisadores, foi o primeiro voluntário a tomar a vacina. Seu organismo desenvolveu anticorpos.
A fase três é a chamada fase de eficácia. Consistiria em vacinar uma população determinada, que seria por sua conduta, o seu comportamento e características, suscetível de entrar em contato com o vírus, e então saber o que ocorre estatisticamente. Quanto ao tempo para chegarmos à vacina, sou otimista porque temos outros resultados.
Temos feito a vacina contra a hepatite B recombinante, a interferona recombinante e a interleucina recombinante. Trabalhamos também na engenharia genética aplicada à agricultura e à indústria, ou seja, temos um potencial científico bastante forte.
Folha - Desculpe insistir, mas quando, dr. Limonta?
Limonta - Quando? Eu diria mais uns quatro anos de estudo. No ano 2000 vamos ver o que terá acontecido.
Folha - Qual o risco de contaminação pela vacina de Aids?
Limonta - Mais do que tecnologia em engenharia genética, o que possuímos é uma estrutura química sintética. Podemos dizer que faz o mesmo efeito do vírus do ponto de vista imunológico, mas não é infeccioso. Portanto, não produz infecção, ou seja, não produz dano. Produz uma reação imunológica na pessoa que é a parte positiva, e essa reação imunológica prepara as pessoas para que se defendam quando o vírus as agredir.
Folha - Como o sr. classifica Cuba nas experiências e descobertas de vacinas perante o mundo?
Limonta - Cuba é um dos países mais avançados do mundo. A vacina da meningite meningocócica efetiva, por exemplo, só foi elaborada em Cuba e tem sido produzida no Instituto Finlay.
Estamos trabalhando na vacina da hepatite C, da hepatite B, estamos trabalhando em vacinas combinadas. Cuba é comparável aos países mais avançados do mundo em termos de vacinação. Os produtos de Cuba não se produzem em nenhum país de Terceiro Mundo, portanto a conclusão seria que são feitas aqui coisas aqui que têm sido produzidas somente no Primeiro Mundo.
Folha - Qual a diferença entre a hepatite A, B e C?
Limonta - Muito sinteticamente, a C é a mais feroz. Transmite-se pelas mesmas vias que a hepatite B, mas em geral é mais agressiva. Não existe ainda uma vacina contra a hepatite C no mundo. Estamos trabalhando nisso e já vamos começar as provas em pessoas.
Folha - Quais são as vacinas obrigatórias em Cuba?
Limonta - Em Cuba, o nível de vacinação compreende todas as vacinas que a Organização Pan-Americana de Saúde considera obrigatórias, mais a hepatite B e a meningite. Temos um sistema de vacinação que é realmente muito abrangente, o de maior quantidade de vacinas do mundo.
Folha - Dr. Limonta, quais as consequências do embargo no seu campo, o científico?
Limonta - O embargo evidentemente nos prejudica, porque tem prejudicado a economia. Se a nossa economia não tivesse se prejudicado tanto pelo embargo, o respaldo à investigação seria ainda maior.
Folha - Como vocês reagiram face ao embargo?
Limonta - O embargo é um fato negativo. Mas como fato negativo também se tornou para nós um desafio. A capacidade negativa pode ser estimulante para a produção. Intensificamos nosso trabalho e trabalhamos com mais organização.
Folha - O sr. é diretor geral do Centro de Engenharia Genética e Tecnologia desde 1986. Qual a verba necessária para o instituto se manter e de onde vêm os recursos?
Limonta - Cerca de US$ 20 milhões por ano. Ele praticamente se mantém comercializando as vacinas. O Brasil é um dos países que compra muito nossas vacinas.
Folha - Sei que o sr. vai muito ao Brasil. Quais os seus contatos?
Limonta - Eu já visitei o Brasil, no ano passado, duas vezes. Em 95, quatro vezes. Tenho muitos contatos com diversas instituições científicas e muitos amigos cientistas no Brasil. Mantenho sempre conversações com o Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, com o Instituto Butantan, em São Paulo, e outros lugares.
Folha - O sr. é também deputado nacional e presidente do grupo de Hospital Parlamentar Cuba-Brasil. Teve alguma participação direta na revolução?
Limonta - O que tenho feito pela revolução é fundamentalmente o meu trabalho.
Folha - O que sente e pensa com relação ao Brasil?
Limonta - O nosso país sente profundo carinho pelo povo brasileiro por sermos muito parecidos. Temos a mesma origem em nossas culturas e nossas etnias.
Temos interesse em sermos vistos como parceiros. Acho que que esses vínculos têm crescido, mas ainda podem se desenvolver muito mais. Outra coisa: desejo muita sorte para o futebol brasileiro, que adoro.

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