São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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O susto e o SUS

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Há uma semana encontrei, em pleno centro de São Paulo, a minha amiga Joaninha, mais forte do que nunca. Tenho o hábito de andar depressa, porém, com a lentidão dos passos da Joaninha, o percurso costumeiro foi feito em aproximadamente meia hora.
Tempo suficiente para satisfazer a sua curiosidade. "Vi você na televisão procurando explicar o que é o Sistema Unificado de Saúde! Confesso que fiquei atordoada!"
"O que falei é a pura verdade, minha cara amiga! Trabalhar recebendo pacientes do SUS é equivalente a receber o Prêmio Nobel de insensatez! Para você ter uma melhor visão", disse eu, "é preciso internar seis pacientes do SUS para termos uma renda equivalente a um paciente de convênio."
"Então diga-me cá, Antonio! Por que você insiste em receber pacientes do Sistema Unificado de Saúde?"
Sem me dar tempo para responder, emendou ela. "Ah!, já descobri! Você acha que com a CPMF as coisas vão melhorar. Matei a charada bem rapidinho hein, Antonio!"
Parei de andar e respondi: "Desta vez você pisou na bola. Está totalmente errada. A internação por meio do SUS é uma questão de servir, procurar amenizar o sofrimento dos menos afortunados. Quanto à CPMF, saiba que sempre fui contrário a ela, pois já vi outros impostos onerando o bolso dos contribuintes sem que nada tenha melhorado".
"Como assim?", interpelou ela!
"Memória curta, Joaninha! Você já esqueceu do PIS, do Cofins, da Contribuição Social, todos eles promovendo o social e cada vez mais o social descendo a ladeira!"
"Mas esse novo imposto é provisório."
"Esse é o meu grande susto, Joaninha. Tudo aquilo que é provisório no país torna-se definitivo pela vida afora. Ainda na semana passada publicou-se na Folha que o gasto per capita, com a saúde, baixou de 7,6%. Já era insuficiente, como será em 97?
Dados do Sebrae indicam que na somatória dos gastos de saúde compreendendo União, Estados e municípios o total é da ordem de 2,1%! Enquanto isso os países do Primeiro Mundo gastam entre 6% e 8% do PIB, isso sem falarmos nos EUA, onde o gasto com saúde ultrapassa US$ 1 trilhão, representando cerca de 14% do PIB."
"E quanto ao comportamento dos médicos, o que você me diz?"
"Lembre-se que é preciso parar, pensar e refletir para eliminar a causa e não bater a esmo no efeito! Julgar com responsabilidade caso a caso é a nossa obrigação. É isso que vamos fazer.
Na realidade, o Plano Real liberou mais recursos para a classe trabalhadora e apertou a classe média. No momento é comum a classe média recorrer ao SUS, já que é uma saída para quem está com o orçamento no limite ou mesmo furado e precisando de tratamento urgente de saúde."
Ao final da caminhada Joaninha, com dores no pé, nas pernas e bufando, disse-me: "Que o susto da CPMF não leve você a ter que internar mais pacientes pelo SUS. Um grande abraço meu colega!".
"Até a vista, cuide do seu colesterol, mas não esqueça que temos agora um novo ministro da Saúde. A esperança é a última que morre!"

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